sábado, 19 de janeiro de 2008

UMA GATA TERNURENTA

(Publicado)

São vinte e três horas, a noite está fria e húmida, própria da época invernal, e não há vestígios da lua. Muito timidamente abeiro-me da varanda do meu 3.º andar e o meu olhar dificilmente penetra no denso nevoeiro que cobre a cidade. Tomar oferece-se aos meus olhos, incaracterística e impenetrável, tal como a marulhada da sua vida quotidiana diurna. Apenas me é permitido vislumbrar os recortes ténues das esquinas dos edifícios mais altaneiros e uma luz mortiça a pairar na torre de menagem do castelo. Aqui o lençol de nevoeiro é mais denso, como que defendendo as muralhas dos ataques da mourama.

Este quadro surrealista tem tão de belo como de sinistro porque me faz sentir um misto de esperança perdida e de futuro vago e pouco claro. O primeiro sono da noite já se apossou da maior parte dos residentes da nossa cidade, enquanto que eu ainda deambulo pela minha casa. A causa desta espertina advém da minha gatinha spike que adoeceu com problemas cardíacos. Já tem oito anitos, mas segundo a veterinária o seu mal poderá ser de origem congénita. Está a responder favoravelmente aos tratamentos que lhe foram ministrados, mas não é seguro que recupere. Como todo o animal doméstico a skipe é uma fiel e dócil companhia. Ela transmite um sentimento de cumplicidade, parecendo perceber tudo o que se passa à sua volta, só lhe faltando falar connosco. Não há dúvida que animais como a spike merecem o nosso respeito e gratidão pela sua humildade e dedicação.

A spike tornou-se mais uma preocupação para mim a adicionar a muitas outras, indissociáveis da minha vida septuagenária. Todavia a esperança é a última a morrer pois enquanto houver vida há esperança. Amanhã será um novo dia, dissipar-se-á o nevoeiro e o sol voltará a brilhar, fazendo-me acreditar que a spike sobreviverá para ser minha companhia por mais alguns anos. Desejo-te as melhoras, minha spike.