terça-feira, 14 de outubro de 2008

FRONTEIRAS

VERSOS INÉDITOS


Com várias fronteiras fui confrontado,
Atravessando-as sem algum retrocesso,
Por forças estranhas fui amaldiçoado,
Não esmorecendo de obter sucesso.

As primeiras fronteiras foram vencidas,
Quando a vida tentei construir,
Barreiras muitas foram banidas,
Com muita seriedade e sem mentir.

Obrigado o Equador atravessar,
Procurei abrigo em Portugal.
Forças me quiseram amordaçar,
Tentando lançar-me no lamaçal.

Resisti às fronteiras cinicamente erguidas,
Com coragem e muita determinação,
Sofri de peito aberto profundas feridas,
Com tempo, espaço e cicatrização.

Das fronteiras que me foram impostas,
Reduto familiar forte consegui criar,
Recusei indecentes e más propostas,
Meu rumo próprio consegui reencontrar.

África, grave e vil ofensa me lançara,
Memórias e bons tempos do tamarindo,
Assistirei expectante a nova Aurora,
Que do futuro surgirá entre o cacimbo.

Os Deuses lá no alto bem atentos,
Justiça clamarão seja na Terra feita,
Alimentarão esperanças e alentos,
Aos terrenos cuja sorte os espreita.







sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A DOR

VERSOS INÉDITOS

Regressei à minha Terra e levei a Dor,
Quis deixá-la abandonada.
A Dor não me largou, aumentou.
Antes, trouxe-a comigo guardada.

A Dor que trouxe foi muito maior
Da Dor que cresceu em mim.
Dias, meses e anos sem fim,
Dor vinda d´Alguém Superior

Evitei com a família a Dor compartilhar,
Porque a Dor fui eu que a criei e quis.
Não porque a tolerei, mas por a suportar,
Para evitar que sofressem o que sofri.

Habituei-me a viver com a Dor,
Com ela passei a compartilhar
A esperança, a descrença, o amor,
Sorrateira, outra dor poderá chegar.
.
Quando a Dor desaparecer no Além,
Ficarei sem ela certamente,
A Dor não vai querer ninguém,
Que nela não creia cegamente.

Lutei por me libertar da Dor.

Mas a Dor não me quis deixar,

Colou-se a mim com fervor,

Dor cruel e difícil de tolerar.



domingo, 5 de outubro de 2008

OS ESPOLIADOS

INÉDITO (A PUBLICAR)

Este grupo de cidadãos recebe aqui a designação mais apropriada da sua verdadeira condição e nele estão incluídos os “retornados” e os “refugiados”. A designação de “Espoliados” é a que, com mais propriedade e autoridade, se deve aplicar às pessoas que perderam os seus bens, total ou parcialmente, por incapacidade da Nação Portuguesa ter exercido o seu dever, protegendo os seus bens e as suas vidas da voragem de agressão e apropriação indevida dos seus direitos legítimos por parte de hostes sedentas de pseudo vinganças e enriquecimentos fáceis e imediatos, ilícitos.

Os espoliados, eram brancos, mestiços e africanos e deixaram as províncias ultramarinas portuguesas, rumando a diversos destinos, desordenada e inesperadamente, impelidos pela auto-defesa da sua integridade, deixando, contrariados, os seus bens que não conseguiram pôr a salvo em devido tempo. Esta atitude resultou do facto de terem sentido a ausência efectiva da protecção, que lhes era devida, pela sua própria Pátria que os abandonou literalmente no momento mais crucial das suas vidas.

Os seus destinos foram os mais variados, individualmente, em grupos familiares completos ou desmembrados. Alguns foram para a África do Sul, Rodésias e Namibe, outros para o Brasil, América e Canadá e a maior parte para Portugal “Continental”, país de origem e que representava a matriz da Pátria, tanto para africanos como para colonos e seus descendentes.

Os espoliados que optaram por destino, Portugal Continental, passaram pelas mais variadas situações sócio-económicas, consoante o seu habitat de acolhimento. Uns foram acolhidos por familiares, outros em pensões e residenciais – enquanto durou a ajuda do Estado –, e ainda bastantes que, não conseguindo acolhimento em organizações de apoio aos sem abrigo, se perderam por barracas, pelas estações do metro, pelas ruas, pelos vãos de escada, além dos casos extremos de demência e dos que desistiram de viver.

Os que teimaram em sobreviver abraçaram um calvário que passou a fazer parte da sua vida quotidiana, enquanto a sua presença era considerada como intrometida numa sociedade marcada por uma ditadura opressiva de décadas. A mudança levou tempo a processar-me e passou por os espoliados provarem por actos e palavras que eram pessoas capazes, com qualidades de trabalho, conhecimento e visão indispensáveis para transformarem as mentalidades instaladas. Gradual e progressivamente foram impondo os seus direitos e razões, inculcando um impulso na reactivação da economia e modernização de Portugal.

Ao fim de cerca de três décadas a integração foi quase total, à excepção de um grande número de casos identificados pelo seu desenraizamento abrupto das suas terras natais, que não conseguiram assimilar em pleno, nem parcialmente, as novas micro-sociedades comunitárias onde se instalaram. As famílias identificadas com esta situação, por motivos de fragilidades económico-financeiras e dificuldades de integração, sentiram-se desestruturadas, passando duma classe média para uma classe pobre. Estas circunstâncias não permitiram nem permitem que estes espoliados consigam alguma vez superar os efeitos negativos que lhes causam as realidades actuais dos seus países de origem, cujas políticas viciadas continuam a defraudar as perspectivas legítimas dos seus naturais que ambicionavam a sua libertação efectiva.


O TOCADOR DE FLAUTA

INÉDITO

Ao fazer o meu passeio matinal higiénico a pé, nos subúrbios de Tomar, fui surpreendido por um som harmónico e melodioso de um instrumento que não me era estranho e que vinha do interior de uma casa térrea, modesta. Interrompi a minha marcha e dispus-me a desvendar o mistério, batendo à porta daquela casa. Deixei de ouvir o som e fui surpreendido pela silhueta de um homem de estatura média, esquálido e de pele trigueira e rugosa que me questionou: “o que é que pretende desta casa?”

Eu apenas lhe respondi cordialmente: “fui atraído pelo som mágico de uma flauta. Era o senhor que a tocava, tirando-lhe esses acordes tão melodiosos e afinados?” Ele retorquiu afirmativamente, esclarecendo que era ele e que o fazia para afastar maus pensamentos e recordar momentos de felicidade que acasalado viveu com sua defunta mulher. Ela chamava-se Benedita e quis o destino cruel que um tumor cancerígeno a levasse prematuramente para o outro Mundo.

Foi uma viagem sem retorno de Benedita que enclausurou para sempre em sua casa, Mestre Inácio, calceteiro, de profissão, tão bom a fazer calçada à portuguesa como exímio a tocar flauta. A primeira por amor à profissão e a segunda por amor eterno à sua mulher.

PALAVRAS E PESSOAS

VERSOS INÉDITOS

Porque ligo as palavras às pessoas?
Será porque as palavras falam das pessoas,
Ou porque as pessoas falam das palavras?

As pessoas utilizam as palavras para ferir,
As palavras servem-se das pessoas para ler,
Quem mais lucra deste jogo encoberto,
São as pessoas que tentam emergir,
Ou as palavras que guardam o saber?
Num Mundo de Medo e Desértico?

Com as palavras constroem-se ideias,
Inventam-se histórias falsas e verdadeiras,
Fazem-se declarações de Fé e Amor,
Pelas palavras protege-se e dá-se tareias,
Dão-se flores brancas de amendoeiras,
Fazem-se promessas e traições sem temor.

Com as palavras as pessoas ofendem,
Abusam das palavras sem consentimento,
Utilizam-nas como prostitutas fáceis,
Acham que das palavras não dependem,
Mas imploram piedade e arrependimento,
Nos momentos difíceis e menos hábeis.

As palavras têm sempre razão,
As pessoas julgam tê-la, mas não.
Da prova de força entre as duas,
Surgem verdades nuas e cruas,
Dando razão às palavras sinceras,
E culpando as pessoas megeras.

Com as palavras constroem-se lindas histórias.
Reais ou de ficção, o enredo não interessa,
Sonhos e aventuras as pessoas imaginam.
As palavras guardam para sempre as memórias,
Permitem que a vida em si não esmoreça,
Transmitem às pessoas vida, não intimidam.

Declarações de amor e promessas constantes,
Ameaças e vinganças de alvo indiscriminado,
Enganos e desenganos danosos e ferozes,
As palavras são hábeis e mortificantes,
Atingem todos e tudo, o mais amaldiçoado,
As palavras não perdoam, são atrozes.

Pessoas e Palavras, de ódios sedentos,
De tanto guerrearem e discordarem,
Nascerão corpos hediondos sem mente,
Sem rosto, almas frias, corações sangrentos,
Perderão forma e sentido, de tanto lutarem.