quinta-feira, 1 de abril de 2010

VIVER COM CONVICÇÃO

INÉDITO

Até quando ficarei só e distante?
Será que mereço este castigo?
Não estou preparado.
Já não me faço escutar, estou só.
Nem os meus conselhos servem,
Sou achado e julgado, ultrapassado.

As minhas palavras sabem a eco,
Vão e vêm, velozes, em ricochete,
Batem em paredes surdas e mudas,
Rochas duras, negras e enormes,
Figuras sem rosto, disformes,
Enfrentam-me do seu minarete.


Já não distingo amigos e inimigos
Parecem-se cúmplices e siameses,
Agem com egoísmo, de seu interesse,
Cegos, insensíveis e mordazes
Castigando com arrogância e frieza
Não me molestando, sou dos audazes.


Passei a desvalorizar maus tratos.
Ignoro os embusteiros sem rosto.
Vivo no meu recanto, meditativo,
Versejo e escrevo crónicas belas,
Para o prazer sentir de os reler,
Não me arrependendo dos meus actos.


Chamei a mim netos e bisnetos,
Falamos sobre a vida e o futuro,
Incuto neles coragem e humildade,
Não abdicando de valores e razões,
Para vicissitudes poderem vencer,
Sem sofrerem desgostos e surpresas.

OS TRÊS PATRIMÓNIOS


PUBLICADO

Todo o indivíduo é detentor de três patrimónios que vai gerindo desde a nascença até à morte consoante as prioridades. Esses três patrimónios são o Familiar, o Intelectual e do Conhecimento e o Material.

Ao nascer, assume de imediato o património familiar a que se vai adaptando de acordo com a ambiência em que vive. Os seus laços familiares vão-se fortalecendo na medida da sua proximidade e intimidade e do amor e dos afectos que lhe são dispensados. Na idade que percorre até à adolescência, ignora os Patrimónios Intelectual e do Conhecimento e o Material. Depois da adolescência, com a entrada a sério nos Estudos, descobre a vertente Intelectual e vê-se confrontado com o primeiro apetite de posse que o desafia para o consumismo, subjacente ao Materialismo. Neste período começa a desvanecer-se a relação mais estreita com a família que passa para segundo lugar e tem primazia o Intelectual e o Conhecimento, ficando na terceira posição o Património Material.

Na fase intermédia da idade que se inicia com a conclusão dos Estudos e se entra na vida activa e construção de família própria, descura-se quase por completo o Património Intelectual e do Conhecimento que só interessa aos profissionais desta área e passa a dar-se atenção aos Patrimónios Familiar e Material. Estas prioridades têm poucas alternâncias até à idade da reforma, em que o Património Intelectual e do Conhecimento assume interesse relevante, enquanto que o Familiar e o Material passam para segundo e terceiro planos, respectivamente. Em certos momentos da vida, por incapacidade própria de impedir a intrusão de indivíduos sem escrúpulos e depredadores, perde-se a hegemonia e o consequente controle dos Patrimónios Familiar e Material, ficando apenas, como tábua de salvação, o Património Intelectual e o Conhecimento.

Esta é a realidade que não pode ser escamoteada por ser natural e evidente, não podendo sofrer grandes correcções, dadas as circunstâncias e condições em que o ser humano desenvolve as suas faculdades e necessidades, tanto vitais como supérfluas, em função do meio em que se acha inserido que hoje não é só local como é principalmente global.

UM REGRESSO BREVE E SURPREENDENTE


INÉDITO

Depois de uma longa viagem nocturna, o Airbus da TAP, aterrou finalmente no aeroporto de Luanda. Como o meu destino era Cabinda, apanhei a boleia de um friendsipp, após o transfer imediato dos passageiros com aquele destino. O pré-reformado avião teve dificuldade em deixar o solo, sofrido pela super-lotação de passageiros e de carga. Sentia-me intimidado, à beira de um sufoco, resultante do ar irrespirável e da compressão dos passageiros que, apinhados, se acotovelavam e lutavam por resistir ao trepidar ruidoso do avião.

Cerca de hora e meia após termos sobrevoado a foz do rio Zaire – o 2.º mais longo de África -, atingimos finalmente o Enclave de Cabinda. Bruscamente, surgiu no horizonte o traço rectilíneo da pista de aterragem. O avião prosseguiu a sua rota, descaindo um pouco para a esquerda para depois traçar nos céus de Cabinda, uma longa curva à direita, sobrevoando a baía das “Almadias”, apinhada de poços de petróleo em exploração. A sua trajectória deu-me uma visão ampla de Cabinda, destacando-se o núcleo central da cidade com o desenho de há três décadas, mas sofrendo a variante de agora estar espartilhada por centenas de casas de construção precária – de adobe, madeira e palha -, onde vive uma população inflacionada cerca de 50 vezes.

Ao pisar o solo cinzento e tórrido do meu berço, debrucei-me para apanhar uma porção de terra que levei saudosa e enternecidamente aos lábios para beijar e sentir o seu aroma forte e equatorial, característico. Misturei-me com os restantes passageiros na primitiva e rudimentar aerogare, como se o tempo ali tivesse parado durante aqueles anos volvidos. Passei anónimo, sem ser reconhecido, com a minha nova imagem, sem cabelo, de barba crescida e com o semblante carregado pelas marcas duma vida castigada pelo exílio forçado e prolongado. Cumpridas as formalidades legais, indaguei de transporte para a cidade. Surgiu uma carrinha station Ford vergada pelo uso e carga excessivos. Já tinha recebido 11 passageiros e eu completava a lotação, perfazendo com o motorista 13 ocupantes, número que me deixou apreensivo por eu ser supersticioso. O custo do bilhete era único, não contando a distância e os passageiros iam saindo e entrando durante o itinerário até ao fim da linha que seria o centro da cidade.

O condutor, oriundo do Buco-Zau, distrito do Maiombe, curioso, quis saber quem eu era e o que ia ali fazer. Esclareci a sua curiosidade, dizendo-lhe que estava de visita à minha terra Natal e para validação da minha resposta, ia apontando os nomes dos locais e ruas de Cabinda por onde passava. De tal maneira ele se sentiu honrado em ter-me como seu passageiro especial, que me proporcionou mais uma volta extra pela cidade, conduzindo-me ao meu destino, sem me cobrar um tostão. Para reforçar a sua cordialidade, prestou-se a repetir comigo, no dia seguinte, um passeio mais alargado pelos subúrbios da minha Cabinda que culminou com um almoço a dois pago por mim. Esta foi, sem dúvida a melhor recepção que poderia ter tido na minha própria terra, ao fim de 32 anos, da parte de alguém que eu não conhecia, com metade da minha idade e nascido numa aldeia da floresta do Maiombe, a cerca de 120 km. da cidade de Cabinda.

Durante a minha curta permanência de um mês em Cabinda, seguiram-se vários acontecimentos, alguns felizes, outros surpreendentes, verdadeiras peripécias dignas de serem relatadas numa próxima crónica.