domingo, 11 de julho de 2010

O COLONO

INÉDITO

(Homenagem a meu pai, comendador
Artur Henriques Serrano - 1896-1960)

Tu, glorioso colono que exististe,
Foste herói e obreiro de feitos,
Foste missionário e embaixador,
Espalhaste a palavra e a Fé,
Por terras inóspitas e distantes.

Tu, corajoso colono que partiste,
Da tua terra pobre e abandonada,
Deixaste cidades e vilas para trás,
Rumaste a outros continentes,
Levaste contigo o teu saber.

Encontraste terras exóticas,
Foste bem acolhido e protegido,
Recomeçaste a tua vida com Fé,
Usaste de imaginação e criação,
Lançaste sementes ao fértil chão.

Assimilaste costumes e tradições,
Transmitiste conhecimentos e ideias,
Misturaste-te com outras raças,
Deste origem ao mestiço e mulato,
Outras civilizações inventaste.

Comércio e indústrias criaste,
Permuta de bens, sabores e saberes,
Deram-te motivos e anseios,
Para fazeres sempre mais e melhor,
Pelas gentes e terras que abraçaste.

Depois de tua vida construída,
Com família e amigos enraizada,
Foste surpreendido por aventureiros,
Depredadores e agressivos,
Que dos Teus Bens se apossaram.

Sem perspectivas e segurança,
Foste coagido a tudo abandonares,
Regressando à terra que te esqueceu,
Com a família adolescente e triste,
Recomeçando do nada e com Fé.

COMO SE MORRE DE VELHICE

Poema de Cecília Meireles (1957)
(poetisa e escritora brasileira)

Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

Cecília Meireles, in 'Poemas (1957)'
Data: 2009/04/27 01:29 >>> Ler Mais Poemas deste Autor
no Citador
































sábado, 10 de julho de 2010

OLHARES

INÉDITO

Cruzam-se os nossos olhares,
Suspiro e revejo-me em ti,
Experimento sensações.
Vivo dúvidas e certezas,
Sonhos e insónias me assolam,
Não sei se gostas de mim.

Quando os nossos olhares se cruzam,
Fico confuso e enamorado,
Não sei o que tem o teu olhar,
Só sei que me encanta e seduz,
O teu olhar é único, incendeia,
É o sonho que me prende, é luz,

É mesmo bom reencontrar-te,
Magia, luz, miragem,
Representas tudo para mim,
Nunca deixei de adorar-te,
Neste meu Mundo selvagem,
Com começo e sem fim.

Para mim és sempre Raínha,
Jamais esqueci a tua imagem,
Figura gentil e delicada,
Junta a tua mão à minha,
Retira-me a minha folhagem,
Devolve-me à vida desejada.

CORRER ATRÁS DA VIDA, EM VÃO...

INÉDITO

Mal nasci, corri atrás da vida,
Não consegui agarrá-la
Tropecei e levantei-me,
Em vão...


Atravessei desertos e florestas,
Rios, lagos e oceanos,
Subi serras e montanhas,
Em vão...


Encontrei diabos e fantasmas,
Lutei contra vis monstros,
Fui ao tapete e levantei-me,
Em vão...


Construí património e família,
Edifiquei o meu castelo,
Defendi-me entre ameias,
Em vão...


Nunca desisti, sempre acreditei,
Tive a protecção da ajuda Divina,
Trilhei os caminhos certos,
Em vão...


Ao lado da família acreditei,
Criei coragem para correr,
Atrás da vida sem destino,
Em vão...


Corri, corri, corri, sem parar,
Cada vez a vida mais fugia,
Com a minha vista atenta,
Em vão...


A vida levou-me para o Alem,
Onde eu continuei a correr,
Em vão...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

OS BARCOS E O MAR

INÉDITO

Fui ver o mar,
Para dele desfrutar,
Saudades eram muitas,
Chorei lágrimas súbitas.

Vi passar ao longe um barco,
Um traço deixou nas águas,
Um marco nas minhas mágoas,
Desenhou no horizonte do mar.


Qual o destino do barco?
Talvez África, América,
Ásia, ou os Polos?
Não vou nele, fiquei.
Já não há lugar para mim.


Os barcos agora são outros.
Levam contentores.
Deixam saudades.
Não trazem nada de volta.
Nem notícias, nem imagens.


Os barcos são frios e enormes,
Cruzam os mares, indiferentes,
Ciosos dos seus contentores,
Comida e armas transportam.
Esquecendo os mais pobres.


Vou esquecer o mar e os barcos,
Por não poder neles viajar.
Desprezam quem os ajudou,
O Mundo é egoísta e ingrato.
Cúmplice do dinheiro e do poder.

OS GENES E O HABITAT

INÉDITO
Contrariamente à ideia que se tem de que a personalidade da espécie humana advém exclusivamente dos seus genes, o habitat tem uma função fundamental na construção dessa personalidade. Este é o resultado de um estudo divulgado pela “Public Library of Science Biology, efectuado por uma equipa de cientistas que encontrou indícios que sugerem que as mudanças ao nível da dieta e do habitat causam efeitos duradouros”. (transcrição do site da Ciberia).

Na verdade, segundo a minha observação pessoal deste fenómeno, já há muito que eu chegara à mesma conclusão dos estudos científicos indicados. Tanto na minha terra de nascimento, em África, como em Tomar, onde vivo presentemente, com o tempo de permanência repartido praticamente em partes iguais, tive a oportunidade de concluir que as pessoas nascidas e imigradas para os locais onde vivem, para além dos seus genes, assimilaram usos e costumes alimentares e culturais que influenciaram a alteração da sua estrutura humana.

São evidentes os sotaques adquiridos, o gosto pela gastronomia local, a visão da vida, os comportamentos sociais, com uma convivência mais ou menos aberta ou fechada, a inveja, a intriga, a maior ou menos separação de classes, as oportunidades de trabalho - mais facilitadas aos locais em relação aos chegados de fora -. Estas alterações chegam a influenciar a própria anatomia dos indivíduos.

O processo de adaptação ao novo habitat é lento e por isso longo, razão porque nos primeiros tempos são conseguidos com dor e sacrifício. A assimilação do novo ambiente passa pela afirmação das reais qualidades e mais valias dos novos urbanos, que, por falta de oportunidades, só tardiamente vêm a ser reconhecidos de molde a contribuírem para a valorização das comunidades. Os mais atingidos e prejudicados são os filhos e netos desta geração que, para viabilizarem as suas vidas têm de migrar ou emigrar, sujeitando-se, nas novas comunidades, ao mesmo fenómeno que afectou os seus progenitores.