quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O CARRO DE BAMBU DOS MEUS SONHOS

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Decorria a década de 40, do século passado, em Cabinda, minha Terra Natal. Tinha eu 8 anos e vivia a Época Natalícia numa permanente expectativa do abrir das prendas. Estas eram deixadas pelo Pai Natal ao fundo da chaminé, por onde descia durante a noite. Eu mal dormia a pensar que, no dia seguinte, seria surpreendido pelas prendas por Ele deixadas no meu sapato.
Naquele ano, recebi um carro de bambu. Esta prenda era um luxo: uma carrinha aberta, de fabrico artesanal de bambu (planta tropical de colmo lenhoso e flexível). As outras prendas eram mais de utilidade do que para brincar. Por isso, senti-me duplamente feliz por ter o carro que ambicionava para competir com os meus amigos. O carrito era puxado por uma nsinga (nome indígena sinónimo de fio, cordel).
Carregava o meu carrito com pedras, pedacitos de madeira areia e latas de sardinha com água que transportava para construções hipotéticas. Aos 11 anos, já na idade pré-adolescente, quando embarquei para a Europa, carregava o meu carro com sonhos. Estes eram puros e acalentavam-me esperanças de poder realizá-los. As molas do carrito chegavam a vergar com o peso dos sonhos que eram muitos. Durante os 3 anos que tive o carrito, consegui competir com os meus amigos com relativo sucesso.
Os anos foram passando, trouxe comigo parte dos sonhos, mas a maior parte ficou dentro do carro que eu não trouxe comigo. Alguém se apoderou do meu carro e se serviu dos meus sonhos para os concretizar, impedindo-me de ser eu a realizá-los. Hoje, não tenho o carro comigo, mas tenho um brinquedo que se coaduna com a minha idade que é um computador. Com ele brinco, viajo, percorro o Mundo, pesquiso, relaciono-me, enfim, dou uma nova dimensão à minha vivência diária.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

DUAS ÁFRICAS


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Quando olhamos para África, vemos um continente do terceiro mundo sem futuro. A verdade é inteiramente oposta, pois o continente africano é a maior reserva das riquezas material e humana do Mundo, além de ter sido a precursora da disseminação do Homem pela Terra. Vejamos como cheguei a esta conclusão:

África tem de ser vista em duas vertentes: a vertente geográfica e física e a vertente política e social.
Na vertente geográfica e física, há a considerar:

1 - O continente africano é o segundo continente em superfície, com a área de 30.370.000 km2. perdendo o primeiro lugar para o asiático, com 43.810.000 km2.
2 - Conta com 54 países, colocando-se à frente da Europa que tem 46 países;
3 - É o continente mais central do hemisfério, pois as suas coordenadas vão das latitudes 37.40º N. a 34.50º S. e das longitudes 51.44 E a 16.21 O;
4 - Tem a maior diversidade de climas do planeta, indo do temperado ao quente intenso e frio moderado;
5 – Possui a maior bacia fluvial de todos os continentes;
6 - Dispõe da maior costa oceânica, sendo banhado a Leste pelo oceano Índico, a Oeste pelo oceano Atlântico; a norte pelo mar Mediterrâneo; a nordeste pelo mar Vermelho e golfo de Áden;
7 - Tem a maior e mais densa diversidade de fauna e flora, beneficiando do elevado índice de precipitação; sobressaem as florestas do centro de África, os animais de grande e pequeno porte e os pássaros e répteis;
8 – É detentora das maiores reservas minerais do Mundo, principalmente de Petróleo, gás natural, diamantes, ouro, fosfatos, etc;

Na vertente política e social, também encontramos recordes, pelo lado negativo:

1 – É o continente em que quase a totalidade dos países é governada por governos totalitários e pseudo-democráticos;
2 – Impera a discriminação social e étnica, com o mais elevado índice de pobreza e de iliteracia;
3 – É prevalente o maior volume de enfermos de variadas doenças;
4 – É o continente com o mais baixo índice do PIB;
5 – Tem o mais elevado número de refugiados e deslocados;
6 – É um ponto estratégico cada vez mais utilizado para a transferência, para destinos de consumo, de estupefacientes e traficância de seres humanos;
7 – Tornou-se uma fonte rica de exploração de matérias minerais e de cereais, para alimentar as indústrias dos países globalizadores deles carenciados.

Como caracterização principal de África, devemos levar em conta que foi de África que migraram, várias tribos, há cerca de 50.000 anos, para o Sudeste da Península Arábica e posteriormente para a Europa, Ásia e daqui para as Américas, pelo Alasca. Estas populações estavam fixadas há 170.000 anos na região sub-saariana. As tribos que migraram, como estavam sempre em movimento, para fugirem ao rigor dos climas e poderem defender-se dos animais, viram-se obrigadas a recorrer à descoberta de processos para garantir a sua integridade. Essas técnicas foram evoluindo até aos dias de hoje.
Entretanto, houve uma grande parte de tribos que se manteve residual, fiel à sua Terra de natalidade, fazendo a sua migração interna em África, por motivos de marcação de territórios próprios, de acordo com as diferenças étnicas que se foram formando e para se defenderem também das intempéries e dos animais. Estas populações, como, na generalidade, se mantiveram estáticas, não sentiram a mesma necessidade dos que migraram para o resto do Mundo, de inventarem e construírem ferramentas aperfeiçoadas, pelo que estagnaram em todos os campos: técnicas de cultivo, de exploração das riquezas minerais, da descoberta de produtos medicinais químicos, etc.
Por ironia das circunstâncias, foram os próprios povos africanos que iniciaram a escravatura que se estendeu, preferencialmente, por todo o interior, nordeste e litoral atlântico. A partir deste estado de coisas surgiu a colonização feita pelos povos de civilizações mais avançadas, que encontraram na escravatura um filão de enriquecimento com a exportação dos africanos para as Américas. Só, posteriormente, nos finais do século XIX, com a abolição da escravatura se introduziu uma nova forma de colonização, especificamente no aspecto cultural e de permuta, mais recentemente substituída pela globalização, com toda a sua supremacia financeira e política que substituiu a colonização para impor as suas regras.
Chega-se à triste conclusão que, tendo sido os Africanos os impulsionadores da raça humana no Mundo, acabaram por ser dominados e explorados pelos seus descendentes, com o beneplácito e cumplicidade dos governos autoritários que se instalaram nos países, deficitária e precipitadamente criados.
Feitas estas considerações, resta-me manifestar o meu mais vivo repúdio pela maneira como África está a ser tratada, pondo em evidência a África Bela, Virgem, Rica e Majestosa, em contraste com a África de injustiças, escravidão e desumanidade que teimosamente subsiste por imposição. Há portanto, duas Áfricas distintas que se tornam uma pura e chocante realidade, não se antevendo uma alteração à situação que permita conjugar e diluir no mesmo ideal a África Real da África Natural.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Á BEIRA DO NAUFRÁGIO


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Em 1945 terminou a segunda guerra mundial. Em princípios do ano seguinte, meu pai resolveu surpreender-nos com uma agradável notícia. Aproveitou o momento de um almoço em que estavam presentes, os meus pais, a minha irmã, mais velha, o meu irmão mais novo e os empregados mais responsáveis que connosco participavam das refeições, para nos dizer: “durante o primeiro semestre vamos embarcar para Lisboa para gozarmos umas férias merecidas e os filhos ficarem em Portugal a estudar”.
Eu e meus irmãos não cabíamos em nós de contentes por, pela primeira vez, irmos conhecer o “puto”, como era conhecido Portugal continental. Assim, depois de um dos meus irmãos mais velhos ter assumido a gerência dos negócios, preparámo-nos para embarcar no navio de carga “S.Tomé” que dispunha de uns poucos camarotes para transporte de passageiros. O navio fundeou na baía do Malembo – próximo do Malongo, onde hoje está instalada a Chevron – companhia exploradora do petróleo -, para carregar toros de madeira com destino a Lisboa.
O nosso embarque foi dificultado pela “calema” ( estado agitado do mar). Fomos para canoas, ao colo de africanos, e dali passámos para um rebocador que nos conduziu ao navio, fundeado a cerca de 600 milhas da costa. A entrada no navio foi feita através da subida da escada que se perfilava junto ao seu costado. Todavia, a escada era permanentemente afastada e atirada contra o costado pela força do mar agitado. Com muita perícia e ajuda lá conseguimos entrar no navio.
O barco recebeu a carga completa dos toros de madeira que encheram os porões e o próprio convés, onde foram arrumados e devidamente amarrados. Ao fim da tarde do segundo dia da sua estada, o navio levantou ferro e fez-se ao alto mar do Atlântico. Com lágrimas nos olhos contemplei pela última vez a minha Terra Natal, perfilando-se ao longe o mastro com a bandeira portuguesa no palácio do Governo e o farol, como a última silhueta visível e, no lado oposto, a Ocidente o magnífico por de sol, com os seus raios vermelhos projectados nas águas prateadas da baía, ainda sem poços de petróleo a arder.
Atravessámos o Equador, com o nosso baptismo tradicional, como iniciados, e a primeira semana decorreu normalmente; o mar apresentava-se calmo, com a companhia dos golfinhos e peixes voadores, além das gaivotas, como que a desejar-nos uma boa viagem.
A manhã do nono dia de viagem nasceu entoldado por nuvens negras e vento norte muito forte. Bruscamente, o mar encapelou e começaram a formar-se ondas bravas que atingiram 30 metros de altura. As vagas rebentavam sucessivamente na proa do navio, sujeitando-o a um mergulhar e levantar da proa à popa. Tudo que estava solto no navio saltou dos lugares e foi atirado, violentamente, contra os móveis e superfícies fixas. Tripulantes e passageiros passaram a estar à mercê do balouçar do navio. Entretanto, a corrente do leme não resistiu à pressão do mar e acabou por partir.
Naquele momento o navio deixou de obedecer à pilotagem e virou a proa para oeste, ficando a receber a arrebentação das vagas no costado de estibordo. Com a ferocidade cada vez mais crescente do mar, com ondas de trinta metros, o navio passou a correr o risco de naufrágio iminente, caso perdesse a estabilidade relativa e virasse para bombordo, afundando-se. Este perigo tornou-se mais evidente, com a perda da maior parte dos toros de madeira arrumados no convés que se desprenderam e se perderam no mar revolto. Começando pelo comandante e passando pelo imediato e toda a tripulação, o pessimismo apoderou-se de todos. Eu e toda a minha família entrámos em pânico e lágrimas de choro. Meu irmão agarrou-se fervorosamente à nossa mãe e disse-lhe: deixa lá mãe, se o barco for ao fundo, nós vamos a pé. Eu implorava ao telegrafista que enviasse por morse um SOS para nos socorrerem. Ele não abandonava o posto e enviou vários SOS para Portugal e para os territórios da costa africana.
O milagre aconteceu. Depois de se resistir aquela situação crítica durante seis dias, lá apareceu a ajuda que procedeu à reparação da avaria do leme. Com o mar mais calmo e o leme reparado, o navio prosseguiu a viagem que passou a decorrer normalmente até ao seu término que decorreu em Lisboa, no 38º dia.
Nunca mais esquecerei a entrada na barra do rio Tejo em Lisboa. Depois do navio receber o piloto e à medida que este conduzia o navio para dentro do porto, resguardando-o dos bancos de areia, eu sentia-me deslumbrado com o quadro panorâmico que se oferecia com o desfilar da margem direita do Tejo. A começar por Cascais, Torre de Belém, Mosteiro dos Jerónimos, a encosta da ajuda e toda a zona ribeirinha até ao cais de desembarque de Alcântara. Tínhamos alguma família à nossa espera que eu conhecia pela primeira vez e dali seguimos para a nossa nova vida em Portugal.

AURORAS PERDIDAS - ESPERANÇAS RENASCIDAS


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Depois de auroras perdidas,
O que resta?
Mentes e mãos vazias;
Arrependimentos.

Anos, meses e dias sem retorno,
Adiamentos ilusórios,
Consciências feridas;
Constrangimentos.

Abundância e pobreza,
Em confronto aberto,
Chocam-se cegas;
Desprendimentos,

As auroras já perdidas,
Levam-nos anos de vida,
Cabelos brancos e rugas;
Vincadamente.

Marcados fisicamente,
De moral dilacerados,
A vida foge-nos;
Eternamente.

Vontade e solidariedade unidas,
Atitudes nobres,
Florescer de alegrias;
Bons sentimentos.

Aproveitemos as auroras
Que poucas nos restam,
Para unirmos as mãos;
Entendimento.

A minha voz apela-vos
Primos e irmãos de sangue,
Esqueçam as quezílias;
Para todo o sempre.