segunda-feira, 27 de junho de 2011

DESEJOS

(INÉDITO)
Como eu desejava ter desejos,
De voltar ao tempo de miúdo,
Vestir o meu bibe e brincar,
Desejos de saltar.

Como eu desejava ter desejos,
De à escola primária voltar,
Reaprender a ler e a contar,
Desejos de ser homem.

Como eu desejava ter desejos,
De com a Faty namorar,
Com a lua a espreitar
Desejos de a beijar.

Como seu desejava ter desejos,
De os amigos abraçar,
Jogar à bola e nadar,
Desejos de não pecar.

Como eu desejava ter desejos,
De a minha casa habitar
Bela e indefesa de adorar,
Desejos de a reconquistar.

Como eu desejava ter desejos,
Doas meus prédios recuperar,
Inocentes e indefesos,
Desejos de os salvar.

Como eu desejava ter desejos,
De Cabinda poder contemplar,
Sentir os seus aromas,
Desejos de os saborear.

Como eu desejava mostrar ao Mundo,
A bela princesa africana,
Que me viu nascer com o Sol,
Desejos de a tornar soberana.

domingo, 19 de junho de 2011

O MEU AMIGO LITO

Postal de África dos anos 40
(PUBLICADO EM 12.12.2008,

NA "CIDADE DE TOMAR")
Década de quarenta do século XX. Cabinda, ilha continental encravada no litoral equatoriano de África Ocidental, território colonizado por Portugal. De pé descalço e bibe manchado de lama, o miúdo abeirou-se da água, aproveitando uma onda da preia-mar para molhar os seus pés e mãos. Para o Lito, (diminutivo de Carlos) meu amigo de peito, era um ritual diário correr para a baía e desfrutar de momentos únicos: o quadro natural que contemplava, de luz e cor, oferecido pelas águas prateadas da baía em contraste com o azul brilhante do céu; o rebentar das ondas na praia, as canoas e os seus pescadores manobrando os remos que as levavam para fora da baía, na faina piscatória habitual; as gaivotas em voos vertiginosos a pique sobre as suas presas submarinas, linguados, malevos e outro peixe miúdo; as jangadas de toros de madeira que se iam formando ao longo da praia para seguirem para os navios ancorados ao largo da baía; o vaivém dos rebocadores, puxando as jangadas para bordo dos navios e trazendo, destes, de retorno, batelões carregados com mercadorias.
Todavia, aquele era um dia muito especial. Havia chegado do “puto” (Portugal – Metrópole), o navio de carga mensal que trazia os mantimentos ansiosamente esperados para suprir as carências que existiam, como: batatas, cebolas, vinho, bacalhau, sardinha, carapau, queijo da serra, hortaliças, etc… Lito tinha sido alertado para a chegada do barco, através dos sinos da Capitania e do Palácio do Governo que, lá do alto das colinas, se faziam ouvir por toda a vila. Era dia de festa, não só para o Lito e os seus amigos, que a ele se juntavam, como para toda a comunidade que se agitava ansiosamente para observar o navio a entrar na baía até fundear a larga distância de terra. Era um acontecimento raro e festivo vivido com fervor por toda a população.
Nesse mesmo dia, os artigos de maior necessidade eram desalfandegados e colocados à venda na meia dúzia de lojas que existiam, prolongando-se por vezes esta prática pela noite dentro. O rancho era melhorado com uma boa posta de bacalhau e um pedaço do belo queijo da serra acompanhado da boa banana macaco, como sobremesa.
Esta era a vida pacífica que Lito assimilou em toda a sua fase de crescimento, em que só conhecia a natureza, a convivência e cumplicidade com os seus amigos - crianças e adultos e os próprios animais, de toda a espécie, incluindo os répteis que faziam parte do seu habitat. Este retrato marca uma época, em que por ausência de espírito consumista e egoísta, imperava a boa convivência, a entreajuda e a satisfação das necessidades primárias, poupando e produzindo.
Hoje, Lito, bisavô e de cabelos brancos, com uma vida preenchida, assiste ao contraste totalmente oposto: na baía erguem-se sobranceiros os imensos poços de petróleo poluidores das águas outrora límpidas; deixou de se sentir o cheiro da lama e da maresia; repeliu-se a fauna para as matas; reduziu-se os bandos de morcegos que, ao pôr-do-sol, sobrevoam a ex-vila - promovida a cidade -, em direcção à floresta, em busca de alimento; raramente se vislumbra uma osga, um camaleão, uma rã, um sapo, uma cobra, uma ave canora; criou-se o sintoma doentio da insegurança permanente. Enfim, outros tempos, outras ambições, outras mentalidades.

UMA LÁGRIMA



(INÉDITO)
Em estado de choque, aquela figura frágil de criança, permanecia inerte junto aos destroços da viatura que acabara de ter um acidente. Uma lágrima fortuita desceu-lhe pela face contraída e foi alojar-se nos seus lábios. O sabor a fel despertou-a momentaneamente para a realidade da ocorrência.
Ao seu lado, jaziam 3 corpos sem vida e os destroços amalgamados do carro em que seguiam em viagem de férias. Seus pais e o mano, que tanto amava, deixaram de viver. Sentia-se o ser mais abandonado do Mundo e permaneceu imóvel e muda até uma mão amiga a acariciar, procurando confortá-la no seu regaço. A menina, anónima, foi socorrida de imediato pela corporação de bombeiros mais próxima e transportada para o Hospital Universitário de Coimbra, onde deu entrada nos cuidados intensivos, em estado de choque.
Decorridos seis dias, foi readquirindo a normalidade dos seus estados psíquico e motor. Já na companhia acariciadora de seus tios e primos foi-se esclarecendo dos acontecimentos trágicos, ocorridos. Muito lentamente a sua expressão voltou à normalidade e um leve sorriso amargo aflorou-lhe a boca rosada e fina. Os seus cabelos lisos a penderem por cima das orelhas e, as faces rosadas, transformaram a sua imagem, dando boa indicação de quase completa recuperação. “Temos menina”, disse o médico assistente, concluindo: “Vais voltar a ser uma menina bonita e a vida sorrir-te-á para bem do teu futuro. Tende muita coragem, pois a vida continua”.

PROPOSTAS, PRIORIDADES E ESCOLHAS

(INÉDITO)

Todas as decisões por nós tomadas deveriam passar por propostas, prioridades e escolhas, resultantes de um processo lógico e natural, inserido nos princípios mais dignos da democracia e respeito mútuos. Todavia, não é esta a doutrina que é seguida, mas tão só a vontade decisória pessoal de quem se acha hierarquicamente superior com ou sem poder legítimo ou legitimado.
Obviamente que, falando de poder, estamos a referir-nos, não só a todo o indivíduo do qual está ou se acha investido, mas muito especialmente de quem governa e que, em regimes democráticos ou ditatoriais, estão investidos de plenos poderes institucionais ou não institucionais para decidirem, como mais aprouverem, dos destinos do País que governam. Contrariamente ao que seria desejável e expectável, as resoluções tomadas, são escolhas de cunho pessoal e ou vinculadas a interesses de grupos minoritários de indivíduos que tutelam a cátedra da produção das leis e da sua aplicação - acautelando, em primeira linha, os seus próprios interesses -, em prejuízo da maioria constituída pelo cidadão comum. Essas escolhas, deixam de passar por propostas, que deveriam reflectir a opinião e o sentimento geral, das quais se faria uma filtragem das prioridades a considerar, por serem as mais indicadas para o delinear de um programa sério e estratégico mais consentâneo com as reais possibilidades e necessidades da Nação.
Esta propensão exclusivista de decisões unilaterais é corrente e prejudicial para se conseguirem atingir os melhores objectivos que seriam desejáveis em todas as áreas da sociedade, passando pela política, pelas mais diversas actividades, por organismos públicos e privados, por todas as relações inter-sociais e particularmente inter-familiares. Por esta razão, a que ninguém presta a devida atenção, as famílias geram mal os seus rendimentos, chegando a situações irreversíveis de insolvência ou falência patrimonial.
Porque há omissão das propostas mais sérias, aviltamento das melhores prioridades e fraca qualidade nas escolhas feitas, as medidas, pesos e contrapesos finais das obras e acções concretizadas, não produzem o efeito mais apropriado e - no caso mais flagrante e sério da política -, o necessário crescimento económico para um fortalecimento do PIB do País.
Na causa pública, que a todos deveria dizer respeito, as permanentes discussões, debates, opiniões, críticas e sugestões dos especialistas em economia e gestão do nosso País, com a participação de partidos políticos, sindicatos, associações e grupos de opinião diversos, ficam de fora os cidadãos, como simples espectadores, sem voto directo nas matérias defeituosamente discutidas e decididas. Os governos dos vários quadrantes políticos, sendo ou não detentores do poder, não conseguem imprimir uma matriz credível às políticas seguidas, por falta de representatividade genuína das várias regiões do País e das suas gentes. A maior parte das autarquias também não cumprem com a sua verdadeira missão que deverá passar pelo acautelar dos verdadeiros interesses dos seus concelhos.
Enquanto não forem revistas e corrigidas as orientações mais lógicas nas propostas, prioridades e escolhas a fazer, nunca poderemos vislumbrar o progresso desejado e merecido do nosso Portugal, acautelando o futuro dos nossos descendentes.

SÃO BENTO

(INÉDITO)

No Portugal profundo vive uma comunidade isolada do Portugal moderno. Do Mundo apenas chegam rumores e informações confusas difíceis de decifrar e compreender, porque são questões marginais ao quotidiano da comunidade. O lugar é imaginário mas comparável a muitos outros lugares reais.
Nesse lugar, o mais velho, conhecido por Zé, é o conselheiro e ouvidor da comunidade. Todos lhe dão atenção e obedecem, à excepção de seu primo Manel. Este é de espírito inconformista, porque pelos rumores que lhe chegam, para além da sua comunidade, a vida é mais farta e livre, sem limitações de toda a espécie como acontece na sua terra. Chegou-lhe aos ouvidos que lá na Capital, em Lisboa, existe um Santo milagroso, conhecido por “São Bento”. Por descargo de consciência foi ter com seu primo Zé e perguntou-lhe:
- já ouviste falar no São Bento de Lisboa? Dizem que é milagreiro e nos trata de todos os males, principalmente os do nosso bem-estar, acabando-nos com a fome e as privações porque passamos.
Respondeu-lhe o Zé, fazendo o habitual manguito:
-olha, eu já estou tão escaldado com essas promessas, que não acredito em nada dessas histórias. Por isso tira daí o sentido e não dês ouvidos ao que dizem.
O Manel, teimoso como sempre e não querendo acatar o conselho do seu primo Zé, resolveu quebrar as regras da terra e ir ter com São Bento para encontrar o remédio para os seus males. A viagem para Lisboa foi atribulada porque passou por quatro tipos de transporte: o burro que o conduziu através do alcantilado das serras, até apanhar uma boleia para a localidade mais próxima. Aqui tomou a camioneta para a primeira estação de caminho de ferro donde seguiu de comboio para Lisboa.
Chegado à Estação de Santa Apolónia, dirigiu-se a um taxista e pediu-lhe para o levar a São Bento. O taxista, não se conteve e disparou-lhe uma pergunta à queima roupa:
- então, vem até à Capital conhecer São Bento?
- sim; ouvi dizer que as sessões são muito concorridas e deixam-nos confortados com os temas espirituais tratados. – responde Manel muito convicto.
- faço votos para que tire bom partido da sessão a que vai assistir. – retorquiu o taxista.
Enfim, o táxi parou defronte do Edifício da Assembleia da Republica e despejou aquele ocupante estranho. Entretanto, peço desculpa ao leitor por terminar aqui esta história. Tanto o taxista como eu perdemos definitivamente o rasto do Manel. Não sei exactamente o que lhe aconteceu, mas presumo que tenha regressado ao seu povoado e refúgio natalício desiludido e resignado com o seu destino já há muito traçado.



SAIR A BARRA DO TEJO EM CONTEMPLAÇÃO



(PUBLICADO EM 30/05/2008,




NA "CIDADE DE TOMAR")




Quem nunca teve a oportunidade de transpor a foz do Tejo rumo ao mar aberto, em busca de novos horizontes, não experimentou a sensação mais imprevisível e sensorial que nos arrebata pela transposição suave de quadro em quadro a paisagem ribeirinha emoldurada pelo acasalamento com a monumentalidade do património histórico.
Não resisto a fazer uma abordagem a este tema por achar que vale a pena os portugueses terem conhecimento e tomarem consciência do orgulho que devem sentir por disporem dum rio de ricas tradições e de relevante importância na projecção de Portugal no Mundo.
Saí a barra do Tejo por diversas vezes, a primeira das quais em 1951, quando regressei a Cabinda, minha Terra Natal, após ter concluído os meus estudos em Lisboa. Depois duma despedida emotiva no cais de Alcântara, instalei-me no beliche do s/s “Rovuma”, navio mercante da C.N.N. Mensalmente, um navio de carga, com 4 a 6 camarotes, fazia viagens directas a Cabinda, com escalas esporádicas por Santo Tomé e Príncipe. A viagem durava 3 a 4 semanas, consoante o estado dos ventos e do mar.
O maior momento da viagem tornou-se para mim inesquecível, porque à medida que o barco sulcava cautelosamente o rio Tejo, para evitar os baixios da foz, eu, postado no convés, debruçado sobre a paisagem ribeirinha, sem me aperceber, sentia-me invadido por sentimentos controversos nostálgicos, por saber que ia deixar Lisboa e por poder dentro em breve rever a minha Terra Natal que eu havia deixado há 6 anos. Sentia-me dilacerado e tocado por uma nostalgia antecipada ao ver perder-se no horizonte o casario colorido e os escassos carros que naquele tempo circulavam, culminando com as silhuetas do majestoso Mosteiro dos Jerónimos e da harmoniosa Torre de Belém. Depois deste baluarte da nossa Epopeia se perder no horizonte, a minha vista acabava por se diluir na torre do Bugio, última sentinela de guarda ao rio Tejo. Após a saída do piloto que levava o navio até fora da foz, um apito estridente assinalava o seu arranque para uma longa viagem até ao Equador. A viagem transoceânica merece um relato pormenorizado numa segunda parte desta crónica.
Esta breve crónica tem a primeira finalidade de apresentar o retrato duma época em que se vivia sem sobressaltos e com garantias mínimas de segurança, permitindo traçar planos futuros com tempo e circunstância, independentemente do regime ditatorial em que se vivia. Como segunda finalidade e a rematar, tem o propósito de lançar um desafio aos turistas portugueses e outros, que demandam as ilhas da Madeira e dos Açores, para gozarem as suas férias, que utilizem a via marítima, a fim de usufruírem de momentos únicos, inebriantes e contagiantes, de contemplação e percepção da carga histórica produzida pela projecção, do rio e de toda a sua envolvente, no Mundo, ao se misturar com o oceano Atlântico.

DOS NEVEIROS À PRAIA DAS ROCAS - FONTES DE PROGRESSO



(PUBLICADO EM 31/08/2007,
NA "CIDADE DE TOMAR")

Hoje vou escrever sobre um concelho bem perto de Tomar, pois dista apenas 62 km. Trata-se de Castanheira da Pêra, fulcro actual de todas as atenções nacionais, muito principalmente da parte dos veraneantes que procuram aquela cidadezinha da beira interior para se deliciarem com a sua beleza natural e usufruírem da praia artificial das Rocas.

Tal como todas as terras que no século XII, Gualdim Pais administrava, por legado do seu companheiro de armas, D. Afonso Henriques, 1.º Rei de Portugal, o actual Concelho de Castanheira de Pêra estava sob a sua influência e abrange uma série de pequenas freguesias com relevantes tradições históricas. Destas freguesias, destacam-se Coentral Grande e Ribeira de Pêra, protagonistas dos factos históricos mais relevantes que marcam o progresso daquela região. Fazem parte das 23 aldeias de xisto espalhadas por 13 municípios do Pinhal Interior. Em pleno reinado de D. José I - sob a governação do Marquês de Pombal -, e no seguimento do reinado de D. Maria I, um fidalgo, de nome Julião Pereira de Castro, conseguiu arrematar, em exclusivo, o fornecimento de neve para a capital, fundando o Café das Neves (actual Café Restaurante Martinho da Arcada). Tornou-se então o neveiro-mor da Corte.

No Pico de Trevim, a 1.204 mts. de altitude, da Serra da Lousã, muita da neve que se precipitava durante o Inverno, era armazenada em 7 poços, de uma dezena de metros de profundidade, construídos expressamente para possibilitar a sua utilização, já como gelo, no verão. Estes poços, de construção tosca, eram redondos no seu interior e cobertos por abóbadas de pedra em forma de sino achatado. Cada poço tinha uma única porta estreita, virada para nascente, para evitar que o sol, na sua fase mais forte, entrasse pela porta e derretesse a neve ali guardada. Essa neve era compactada nos poços, com pesados maços de madeira.

Chegado o verão, a neve era cortada em grandes blocos que, depois de envolvidos em palha, fetos e mesmo serapilheiras, eram metidos em caixotes. Estes seguiam então, para Lisboa., em ronceiros carros de bois. A primeira muda dos animais era feita em Miranda do Corvo e depois seguiam para Constância, onde prosseguiam via fluvial, Rio Tejo, até ao Terreiro do Paço. O gelo era então provado pelo almotacé – antigo inspector camarário de pesos e medidas que fixava o preço dos géneros -, e só depois seguia, o de melhor qualidade, para a Casa Real, e o sobrante para o Martinho da Arcada e outros cafés, que o utilizavam no fabrico de refrescos e gelados.

Esta indústria ocupava dezenas de pessoas e o neveiro-mor, da Casa Real, Julião Pereira de Castro, em homenagem a Santo António de Lisboa, mandou erguer uma Capela que designou de Capela de Santo António da Neve. Esta Capela, juntamente com os restantes 3 poços ainda existentes (apenas um conservando as características originais) foram considerados Imóveis de Interesse Público. O mesmo neveiro-mor mandou construir, na eira da aldeia do Coentral Grande, uma residência que, na altura, se destacava pelo tamanho e desenho arquitectónico fora do comum e que hoje é propriedade de uma minha prima. Esta casa foi então adquirida por meu bisavô paterno ao neveiro-mor, a quem foi dada preferência, pelos serviços relevantes que meu bisavô prestou à sua empresa de neveiros. Diz-se que quando Julião Pereira de Castro teve de repartir a sua fortuna pelos seus filhos, a quantidade de moedas era tanta, que teve de ser distribuída em alqueires.

Em princípios do século XX, depois da exploração dos neveiros se ter tornado obsoleta, pelo advento de processos modernos de congelação da água, instalou-se uma crise económica profunda que obrigou a nova geração a migrar para Lisboa e a emigrar para as ex-colónias africanas e para o Brasil. Neste processo complexo, com a extinção dos neveiros e a debandada da mão-de-obra, a aldeia do Coentral Grande entrou em colapso, reflectindo-se na economia do próprio concelho de Castanheira de Pêra. Ainda subsistiram até 25 de Abril de 1974, algumas indústrias de lanifícios que tiveram uma fase próspera nos anos 40 e 50, acabando por sucumbir e mergulhar toda a economia local em profunda crise.

Esquecendo esse período difícil, de vias de comunicação deficientes e o retrocesso económico, surgiram em Castanheira de Pêra gestões sucessivas autárquicas de qualidade que aproveitaram os recursos naturais da região para relançarem projectos arrojados de requalificação e relançamento da economia do concelho. Com a construção das vias rápidas de fácil acesso e a comparticipação de fundos da UE, o Município de Castanheira de Pêra inspirou-se nas praias da Polinésia francesa, com bungalows e ondas artificiais, para criar a Praia das Rocas, local de lazer e diversão de características únicas em todo o território Nacional. Este complexo passou a atrair uma corrente volumosa de veraneantes e turistas, tendo tido, num fim-de-semana do pico do verão de 2006, uma frequência excepcional, de cerca de 5.000 pessoas. A par desta atracção impar, o visitante ainda pode desfrutar da beleza do jardim e casa da criança Dr. Bissaya Barreto, mandada edificar por esta ilustre figura em 1939 e a Casa do Tempo com exposições permanentes de relevante interesse.

Subindo o curso da ribeira de pêra que alimenta o Lago das Rocas, encontra-se a jusante, o Poço da Corga, que permite desfrutar duma piscina natural fluvial, de águas cristalinas, onde se pode acampar ou alugar instalações para pernoitar, servindo-se do restaurante e café de apoio. Prosseguindo o trajecto da mesma ribeira, chegamos, enfim, ao local emblemático e paradisíaco de características agrestes e algo primitivas da confluência de 2 cursos de água, pequenos ribeiros, que ladeiam a aldeia do Coentral Grande, descendo a vertente sul da serra da Lousã, onde nascem do fraguedo ali existente. Nas falésias da serra pode observar-se ainda o gado caprino, de excelente qualidade, utilizado na confecção da célebre chanfana. Também ressaltam as colmeias, cujas abelhas se alimentam das urzes, carqueja e azevinhos e que fabricam mel escuro, de qualidade superior Além dos pinheiros que predominam na paisagem da serra, ainda existem carvalhos, castanheiros, amieiros, salgueiros e fetos.

Como eterno admirador e apaixonado por Tomar, que considero a cidade do interior mais bonita de Portugal, gostaria que lhe fosse conferida a imagem de marca que merece, não só pela sua beleza natural, mas também pelo forte cunho histórico que mantém na História de Portugal. Para que essa meta seja atingida, torna-se necessário que a Edilidade de Tomar leve em consideração o contributo da pluralidade de opiniões válidas e procure seguir o exemplo de municípios, como o de Castanheira de Pêra e porque não, de Mirandela e outros, que, com menos recursos, souberam gerir os seus projectos da maneira mais positiva, fazendo despertar o interesse e prazer de se desfrutar dos espaços requalificados.

O RISO E O CHORO

(INÉDITO)


Duas expressões de estado de alma que trazemos latentes connosco e que se manifestam incontroladamente em situações inesperadas. Por vezes surgem como sucedâneas uma da outra, sem que seja possível a sua contenção.
Veio à minha mente um episódio de que fomos protagonistas, eu com 11 anos e um meu irmão com 5 anos. Acabados de chegar de Cabinda, nossa terra Natal, fixámo-nos com nossos pais em Lisboa, nos anos quarenta, do século passado, onde prossegui os meus estudos secundários por não ser possível fazê-lo na minha terra. Tinha terminado a segunda guerra mundial e ainda se fazia sentir o rigor do racionamento dos bens alimentares. Nesse tempo, era prática, passar-se as férias grandes nas províncias do interior, terras de origem da maior parte das famílias radicadas no Ultramar, que tinham emigrado, por necessidades económicas. Ás 05H30 da manhã apanhava-se a carreira de camionetas “Claras”, na garagem “Lis”, em Lisboa, para chegar ao destino (Castanheira de Pêra) cerca das 17H00 horas, depois de passar por Tomar e Pontão, por estradas muito danificadas.
No primeiro ano, ficámos entregues aos cuidados da nossa avó (viúva) - sujeitos à disciplina e regras tradicionais ainda prevalecentes -, enquanto nossos pais se ausentaram durante 3 semanas para um tratamento de águas numa estância termal. A par da exigência que nos era feita para ajudarmos nas lides caseiras, que passavam pelo roçar mato e juntar lenha, ir às compras à mercearia da aldeia que também recebia e distribuía o correio, partilhávamos das refeições de acordo com o orçamento e os alimentos disponíveis. A maior parte das refeições passavam por uma sopa forte de feijão e hortaliça, temperada com toucinho e chouriço, tudo de produção caseira. O prato (chamado conduto) era normalmente uma sardinha e broa. Nos tempos de ócio e brincadeira, usufruíamos das águas correntes, cristalinas e frias da ribeira, que beijavam as pedras da nossa casa, além dos largos momentos de leitura, saboreada, sofregamente, na frescura das sombras de grandes carvalhos, de livros de aventuras e de ficção de Júlio Verne e Emílio Salgari e de autores clássicos portugueses. Não quero deixar de referir que a nossa casa fora construída em meados do século XIX, toda de pedra à vista, tinha 2 pisos, sendo o réz-do-chão ocupado por arrecadações de lenha, mato, garrafeira e estrume e o primeiro andar com a cozinha, casa de banho de alçapão, 3 quartos e sala.
Quando certa noite nos aprontávamos para nos deitar, ouvimos as vozes dos nossos pais que nos chegavam, através da escuridão, pelo caminho estreito flanqueado pelas latadas carregadas de cachos de uvas e que desembocava na nossa casa. Em uníssono, rompemos num assomo de riso descontrolado, seguido, de imediato. de uma crise sentida de choro. Foi uma sensação estranha que experimentámos e que hoje recordo por concluir que estes sentimentos são hoje, mais que nunca, frequentes, pelas situações difíceis e imprevisíveis que nos afectam. Para além disso, também tirei a conclusão de que aquela vida por ser mais modesta e natural, era mais saudável e motivadora a prosseguir na busca de estabilidade que acabava por ser conseguida, enquanto que nos dias de hoje, é, tudo paradoxalmente, incerto, prematuro e efémero.

domingo, 12 de junho de 2011

FATY - A BELA MESTIÇA

(PUBLICADO EM 27/07/2007,

NA CIDADE DE TOMAR)

Faty era uma mestiça diferente, de uma beleza estonteante, com o condão de seduzir por encantamento natural. Tinha apenas 17 anos. Ao fim da tarde, quando o Sol, cansado, mergulhava, avermelhado, nas águas da baía daquela praia equatorial, a silhueta de Faty projectava-se nas águas cristalinas do mar, cujas ondas revoltas, se desfaziam, violentamente, de encontro aos rochedos que ornavam a orla marítima. Faty equilibrava-se, sobre os rochedos, descalça, de calções curtos e blusa decotada, como que ensaiando uma dança exótica e excitante. A tonalidade da sua pele confundia-se com o castanho claro dos rochedos. O seu rosto, acetinado, era longo e bem composto por um nariz fino, olhos rasgados de gazela, protegidos por longas pestanas e orelhas harmoniosas. O cabelo liso, apanhado ao alto, formava um carrapito bem composto e preso por um laço dourado. Faty tinha consciência da sua beleza, pelo que usava a sedução para se tornar alvo da cobiça dos homens que a disputavam com desassossego e impertinência.
Nessa disputa, inconsequente, pela sua posse, resultavam dissidências permanentes entre os seus admiradores, entre os quais se destacava um jovem, de nome, José, de raça branca. Este foi o eleito por Faty, não porque conseguisse competir com a sua beleza, mas tão-somente porque José tinha apenas 18 anos e pertencia a uma das melhores famílias de colonos da comunidade, com algum património e de estatuto reconhecido.
José foi, naquele fim de tarde, como habitualmente, encontrar-se com a sua primeira e grande paixão, na praia do farol, como era conhecida, por ter um farol de sentinela e aviso à navegação. Faty esperava-o mais atraente que nunca: provocante e meiga proporcionava a José momentos deliciosos de prazer e fantasia que, por serem novidade e surpreendentes, pareciam irreais. Durante semanas juraram, mutuamente, amor eterno, com promessas imaturas e inconcretizaveis. Corriam ao longo da praia, ora por cima dos rochedos, ora nas areias quentes e extensas; enrolavam-se, entrelaçados, no areal, beijavam-se ardentemente e acabavam por contemplar as ondas que se agitavam, convulsiva e ferozmente, rebentando, com fragor, na praia, envolvendo os seus corpos em espuma branca.
Faty sentiu-se tentada a mergulhar naquelas ondas traiçoeiras, não obstante os avisos e esforços constantes de José, procurando dissuadi-la de tal propósito, por se tornar deveras perigoso. Aquela praia já havia sido cenário de vários afogamentos e por isso não era aconselhável tomar banho em determinadas ocasiões como aquela em que o mar estava demasiado agitado e com redemoinhos.
Assaz teimosa, Faty insistiu e irrompeu mar adentro, como que procurando libertar-se de algo que a atormentava. Conseguiu vencer várias ondas ameaçadoras, pela sua força e volume, mas afastando-se cada vez mais da praia. A dado momento, sem qualquer reacção da sua parte, Faty desapareceu no mar, deixando José pregado ao chão, atónito e incrédulo com a crueza do desfecho inesperado, em que ele se tornou impotente para poder valer à sua amada. Depois de voltar à realidade, José teve um momento em que pensou seguir a sua amada, mas alguém se aproximou dele e lhe deitou a mão, impedindo-o de tal loucura. Era o seu inseparável protector e zelador da sua casa, o africano Zacarias, que o seguiu desde casa e o vigiava, a mando de sua mãe, para o resguardar de qualquer imprevisto, sabendo que haviam mais interessados na bela Faty.
Este desgosto, por ter sido o primeiro da sua vida, manifestou-se tão inesperado e violento que deixou José marcado para sempre, concluindo, ainda, na flor da idade, que não valia a pena sonhar, por o futuro ser tão imprevisível e enganador. Ainda hoje, José se interroga do motivo que levou Faty a procurar, voluntariamente, uma morte tão trágica, levando consigo, para a Eternidade, o seu segredo.

CPTLP: SEPARADOS POR OCEANOS - UNIDOS POR SENTIMENTOS

(PUBLICADO EM 09/03/2007,
NA CIDADE DE TOMAR, COM
SENTIDO SEMPRE ACTUAL)


Existe uma organização Lusófona, transcontinental e multinacional, designada CPTLP, que representa a Comunidade dos Países e Territórios de Língua Portuguesa. Foi criada com a finalidade de aproximar os países lusófonos de molde a sentirem-se unidos e consensuais em projectos comuns, culturais, sociais e económicos.
Passados 10 anos desde a sua constituição, não se conhecem resultados evidentes da concretização dos ideais defendidos. Embora distantes e separados pela imensidão dos oceanos, os sentimentos dos povos que compõem essas Nações contribuem, de um modo natural, para um encurtar de distâncias e o diluir das diferenças existentes. Todavia, deveria haver uma vontade política por parte dos Estados Lusófonos que conjugasse esforços no sentido da aplicação prática e consequente concretização das directrizes pré-estabelecidas. Acima destas premissas, coloca-se a necessidade imperiosa e inadiável da divulgação dos usos, costumes e tradições destes povos que passaria pela viabilização do conhecimento mútuo destas realidades através do intercâmbio turístico a custos módicos e acessíveis. Sabemos, por experiências continuadamente falhadas, que não são as reuniões periódicas e a avulso dos seus dirigentes que, na prática, dão seguimento seguro e com êxito às medidas preconizadas. Estas, por motivos diversos, nomeadamente por falta de verbas, não se concretizam, ficando tudo na estaca zero.
Para obstar aos imponderáveis que prejudicam a verdadeira missão da CPTLP, terá de se imprimir, com o seu apoio e coordenação, uma expressão mais realista e popular que deve emanar das próprias populações. Estas têm contudo de se conhecerem, mutuamente, com maior intimidade e respeito pelas suas diferenças, utilizando a língua, elo de ligação inquestionável. É explícito e incontornável o exercício do intercâmbio sincero e permanente, de todo o tipo de informação das suas identidades próprias, eliminando, para além das distâncias, os preconceitos e ressentimentos ainda latentes.
Deveria caber à CPTLP organizar excursões em aviões ou barcos que percorressem todos os Países da Comunidade – tal como os descobridores o fizeram pelo mar – dando a conhecer tanto aos portugueses, como aos nossos irmãos de além-mar, todos os seus valores e segredos patrimoniais. Os custos dessas viagens teriam de ser a preços acessíveis para permitir que delas usufruíssem todas as classes sociais. Trocar-se-ia férias despropositadas a países que nada têm a ver com os de expressão portuguesa, por férias nos Países da própria Comunidade, com a vantagem de se poder diversificar o período de férias do Verão para o Inverno – no caso de Portugal e Moçambique –, e do tempo mais temperado para o Verão de Portugal -, para os restantes países.
Dar-se-ia, deste modo, a oportunidade a uma vasta camada de cidadãos dos Países Lusófonos de, além de gozarem férias – de que muitos nunca têm essa oportunidade -, poderem desfazer muitas dúvidas do que foi a verdadeira colonização, da qual nasceram Novas Nações em actual plena ascensão. Na minha qualidade de Português nascido, criado e moldado em África, aspiro a que este meu desejo se concretize para bem de todos os cidadãos que se expressam na Língua de Camões.

Notas: 1 - A CPTLP nasceu a 17/07/1996 e dela fazem parte: Angola, Brasil. Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-leste; 2 – Deveria a CPTLP divulgar, obrigatoriamente, as metas já atingidas e a agenda dos projectos em curso e a concretizar, através dos meios de comunicação social, de preferência, os audiovisuais disponíveis.


O VAZIO

(PUBLICADO EM 06/04/2007,

NA CIDADE DE TOMAR)


O Sol matutino e radioso erguia-se no firmamento e os seus raios penetravam indiscretamente pelas frestas das persianas naquele quarto. Fernando virou-se na cama para evitar o raio de luz que o atingia, espreguiçou-se e estendeu a mão direita para se certificar de que estava só. Sentiu o lado oposto da cama gelado e a almofada empolada e muda. Fernando voltou a espreguiçar-me, esfregou os olhos, como habitualmente, e concluiu amargamente que lhe restavam naquele momento as paredes, a cama, os objectos e a sua gata siamesa.
A companheira, com quem compartilhou a sua vida durante 49 anos, partira na véspera, para uma outra vida, sem ter feito qualquer aviso prévio. Foi tudo tão inesperado que Fernando continuava aturdido e insensível ao meio que o rodeava naquele momento, que lhe parecia inteiramente estranho. Com bastante sacrifício sentou-se na cama e tentou recuperar a memória dos instantes que precederam aquele desenlace macabro, mas as ideias confundiam-se nos seus neurónios, não lhe permitindo arrumá-las e rememorar os factos passados mais próximos. Talvez esta inibição fosse favorável a não agravar o seu sofrimento por tão dolorosa perda. Sentia ter perdido grande parte de si. Diminuído física e mentalmente, não conseguia coordenar o raciocínio com os seus movimentos. Deixou-se render perante uma evidência tão mutiladora que se sentiu incapaz de dar alguns passos naquele quarto silencioso e inerte.
Fernando fixou então os seus olhos, marejados de lágrimas, no tecto do seu quarto, cúmplice de muitas intimidades ardentemente vividas, e tentou abstrair-se de todos os pensamentos, mas acabou por se deixar embalar por um sono flutuante e de recordações. Vieram-lhe então à memória os bons e maus momentos passados em comum com Maria Beatriz: a sua união conjugal, os filhos, os netos, os amigos, os inimigos e os bons e maus momentos da vida. A construção de todo um património humano e material, restando apenas aquele, pois este foi-lhe extorquido impiedosa e injustamente por usurpadores.
O momento que Fernando vivia parecia-lhe surrealista, qual quadro dantesco, de cores fortes e contornos disformes. A vida, que até então já nada lhe oferecia, acabou por lhe retirar o pouco que lhe sobrava. Nem os seus descendentes lhe davam qualquer alento e ofereciam uma réstia de esperança para poder prosseguir a sua cruzada na busca de algo reparador, inexistente e inacessível. Muito menos poderia usufruir do seu acompanhamento, por viverem distantes e enclausurados nas suas próprias vidas privadas, de circuitos fechados, por imposição das regras rígidas sociais.
Cada dia que passava, Fernando foi-se isolando no seu reduto, entregando-se, paulatina e inspiradamente, à escrita das suas memórias, não com o propósito de alguém as ler, mas apenas porque se sentia realizado e reconfortado com as releituras da sua criação.
Passado pouco tempo, sem mais perspectivas e com o horizonte carregado de nuvens negras, Fernando rendeu-se à evidência das realidades e deixou de sonhar, de pensar, de idealizar, de desejar, de amar, enfim…de ter gosto pela vida, para entrar definitivamente na Eternidade e juntar-se à sua Companheira jamais esquecida.

A COLONIZAÇÃO (Parte II e última)

(PUBLICADO EM 28/09/2007,

NA CIDADE DE TOMAR)

Em seguimento do artigo anterior torna-se imperativo abordar a influência directa e indirecta que outros protagonistas tiveram no processo de colonização de Cabinda e Angola. Já focámos as figuras do Colono e do Colonialista; passemos agora a dissecar o envolvimento do Estado, da Igreja e da População Anónima, não esquecendo o Funcionalismo e as Forças Armadas. Quero, no entanto, desde já ressalvar o facto de entre todos os protagonistas citados e a citar, embora reunidos em grupos, haverem excepções à regra, como é próprio do comportamento díspar do ser humano.
Ainda reportando-me à I parte desta crónica, anteriormente publicada, e no que concerne à permuta de produtos coloniais por bens de consumo corrente, entre africanos e colonos, quero acrescentar que, além da descrição feita, aplicável ao caso particular de Cabinda, o caso de Angola envolvia outros tipos de produtos e bens, assim descriminados, em termos gerais: entre os produtos fornecidos pelos africanos destacavam-se: sisal; massango; milho; crueira (mandioca seca e cortada aos cubos); cera; borracha (de sangria); feijão macunde (frade); peles de animais; cera de abelhas, etc. Quanto aos bens de consumo, além dos já mencionados, há a acrescentar as mantas; cobertores de papas (lã) e as peças de pano (com desenhos estampados diferentes dos de Cabinda, de acordo com as características étnicas de Angola).
Antecipando a radiografia do processo de colonização, constata-se uma identificação muito próxima entre o Colono, o Funcionalismo e a População Anónima, enquanto que, entre o Estado, o Colonialista e a alta hierarquia da Igreja, existia uma manifesta e indisfarçável cumplicidade. Como o regime não tinha o apoio geral das classes, sentia necessidade de recorrer à colaboração destas últimas figuras para poder impor a sua Política Colonial autoritária. As Forças Armadas, dado a sua natureza, ficam de fora deste contexto.
Começando pelos Servidores do Estado, impõe-se fazer uma triagem de acordo com a sua composição heterogénea e as suas responsabilidades e comportamentos muito específicos. Nesta perspectiva, há a considerar os funcionários públicos dos serviços administrativos e as autoridades que impunham o cumprimento das leis de soberania. No primeiro grupo, os servidores do Estado (exceptuando os quadros superiores, de estatuto privilegiado), cumpriam, contrafeitos, as suas obrigações profissionais, em virtude de se sentirem marionetas do regime com remunerações muito baixas. Além disso, eram coagidos a ocupar lugares em regiões sem o mínimo de condições de vida, passando algumas privações, tal como os colonos. A acção destes funcionários, em geral, foi meritória e digna do nosso apreço. Apoiados no sistema organizacional imposto pelo Estado, deram a sua contribuição positiva para o estabelecimento da ordem e disciplina no cumprimento dos deveres dos contribuintes, sem recorrerem a intervenções drásticas e penalizadoras. Actuavam mais pela acção pedagógica. Contrariamente, as autoridades, compostas pelos agentes policiais e da guarda-fiscal, os chefes de posto e os administradores de concelho, excediam-se no desempenho da autoridade que lhes era cometida pelas suas funções. Impunham, com arrogância e intransigência, a sua autoridade, colidindo, muitas das vezes, com os direitos dos cidadãos. Como atrás deixei esclarecido, haviam algumas excepções. Com poder supranacional, sobressaía a PIDE que, sobrepondo-se aos próprios governadores e com a colaboração dos seus informadores clandestinos, exercia um controlo rigoroso, apertado e ilimitado, sobre os cidadãos não alinhados e identificados - nos seus registos sinistros -, contra o Regime.
Por sua vez, a Igreja (Católica), também dividida entre os seus missionários e a mais alta hierarquia, teve uma intervenção dúbia no processo de colonização. É certo que a sua acção foi bastante positiva porque, além de espalhar a palavra de Deus, através da divulgação da religião católica, incutiu nos africanos a ideia da integração das raças e tribos na mesma irmandade e Fé, aproximando a civilização africana da europeia. Celebrou muitos matrimónios entre indivíduos de raça branca e raça negra, de que resultou a miscigenação das raças com a introdução do mestiço e do mulato. Todavia, a sua ligação ao Regime, levou-a a intervir, discricionariamente, no Ensino, fazendo depender da aprendizagem da catequese e da religião (católica), o bom ou o mau aproveitamento escolar. Esta situação fazia-se sentir mais no Ensino Primário. A Igreja Evangélica, também presente, embora com menos influência, limitou-se à sua acção missionária, bastante activa e profícua, sem se imiscuir em assuntos do Estado. Quero também testemunhar que, os Colonos e as Igrejas, através dos seus missionários, se toleravam e até mantinham boas relações, em virtude da sua acção comum civilizacional e missionária junto dos africanos.
A População Anónima a que quero referir-me constituía também uma parte importante da sociedade colonial e, a par do colono, a principal mais valia do seu progresso. Faziam parte dessa População os trabalhadores de conta doutrem e liberais - empresariais e profissionais -: os técnicos, os operários qualificados diferenciados e não diferenciados. É indissociável a acção meritória das mulheres colonas e africanas – a quem presto a devida homenagem -, que conseguiram, sempre com muita coragem e determinação, suprir as carências prementes de toda a espécie, colaborando com os maridos – as primeiras nas suas actividades profissionais e domésticas e as segundas, cuidando das lavras e dos lares. A sua participação passava ainda pela assistência recíproca aos seus partos, por ausência de parteiras especializadas e de maternidades, hábito que se praticou até meados do século XX. A força laboriosa desta franja da sociedade, aliada ao seu amor pela terra, fizeram despertar o ideal de um objectivo comum: o de contribuírem para o começo do erguer duma Nação, de futuro expectável promissor. Não surpreendente foi a interrupção abrupta da conclusão desse processo, por interferência de forças externas com interesses alheios aos legítimos direitos dos Cabindeses e dos Angolanos.
No que diz respeito às Forças Armadas, apenas me posso referir à sua presença no Enclave de Cabinda, em virtude do caso de Angola ter sido objecto de uma abordagem militar mais apropriada à sua grande dimensão geográfica e profusão étnica díspar. No caso de Cabinda, temos de situar as forças armadas de acordo com as épocas e os interesses sedentos e persistentes, de vários países, nas suas riquezas.
Até finais do século XIX, Portugal teve de intervir em Cabinda, a solicitação das suas populações, através da marinha e infantaria, no sentido de desalojar do território, franceses, holandeses e ingleses que, à viva força, queriam continuar a permanecer naquele território, para prosseguirem com o comércio de escravos, não obstante a sua abolição. Para além deste negócio, também os seduziam as riquezas minerais e os produtos coloniais que abundavam. Houveram várias refregas com as forças ocupantes contrárias, com os quais iam alternando a ocupação da respectiva fortaleza. Entretanto, os representantes dos três reinos de Cabinda – Loango, Kacongo e Ngoyo -, assinaram com a Coroa Portuguesa, três Tratados, entre os quais se destaca o principal, celebrado a 1 de Fevereiro de 1885: o «Tratado de Simulambuco». Entre várias cláusulas, Portugal comprometia-se a “não permitir o tráfico de escravatura” e a “manter a integridade dos territórios colocados sob o seu protectorado”. Os ingleses, que eram então os principais residentes ocupantes, foram obrigados a alienar as suas propriedades aos portugueses, que ali se fixaram, por vontade dos povos Cabindeses. Desde então, Portugal foi reduzindo os efectivos do seu contingente militar, sendo, já no princípio do século XX, de apenas um destacamento, constituído por um pelotão. Este contingente servia apenas para simbolizar a Soberania Portuguesa, pois nunca teve te intervir militarmente até aos anos 60 do século XX, altura em que houve necessidade de ser reforçado face às ameaças de insurreição instigadas por pressões externas.
Com a conclusão da minha crónica, espero ter dado o meu modesto contributo para um melhor esclarecimento e informação acerca da verdadeira colonização de Cabinda e Angola. Por não me considerar historiador nem antropólogo, não me acho com competência e idoneidade para me referir às restantes ex-colónias, mas estou convicto que, com algumas excepções, a maior parte dos factos aqui mencionados lhes são aplicáveis.






A COLONIZAÇÃO (Parte I)

(PUBLICADO EM 10/08/2007,
NA CIDADE DE TOMAR)


Muito se tem escrito sobre a descolonização, mas muito pouco se tem relatado acerca da colonização. Este tema é merecedor de uma abordagem séria e isenta por alguém como eu que testemunhou e viveu a realidade da colonização, reforçada pela herança oral dos factos, muito diferente do que se tem tentado, especiosamente, fazer chegar às pessoas menos esclarecidas.
A colonização teve vários intervenientes em que podemos destacar os seguintes: o Colono, o Colonialista, o Estado, a Igreja e a População Anónima.
Nesta primeira abordagem vou debruçar-me sobre as duas primeiras figuras – Colono e Colonialista -, que se confundem, mas que são distintas no processo de colonização, especificamente de Cabinda e Angola, deixando para outra oportunidade a focagem das restantes três figuras.
.O Colono foi um verdadeiro missionário civil na divulgação dos usos e costumes e inter-sociabilidade dos portugueses com outros povos com que se foram relacionando e afirmando, pacificamente. O Colono que emigrava para o Ultramar, era, na sua generalidade, oriundo de famílias das classes média, média baixa e pobre que, por motivos económicos, tinha necessidade de buscar novas paragens para assegurar a sua sobrevivência. Em princípios do século XX - pós época colonial esclavagista -, os colonos passaram a emigrar legalizados, por imposição do regime instituído pelo Estado Novo. Para o efeito, tinha o colono de se munir duma “carta de chamada” (documento legal subscrito por uma entidade sedeada na colónia, fixando o ordenado, com cama, mesa e roupa lavada).
Nos casos particulares de Cabinda e de Angola, o Colono arriscava o seu futuro, sozinho, e dedicava-se ao pequeno comércio de permuta e ou a uma rudimentar exploração agrícola e ou pecuária. Debatia-se no seu dia a dia com dificuldades de toda a ordem: escassez de bens alimentares; deficiência de cuidados de saúde; ausência de água potável e energia eléctrica; picadas (estreitos caminhos de terra), em vez de estradas; presenças aguerridas da malária, etc… Para além destes condicionalismos, existiam ainda a falta de apoios do Estado e da Banca e a total dependência do “Colonialista”.
O Colono não se limitava à sua fixação em centros urbanos. Exercia várias actividades, deslocando-se, com regularidade, ao interior, para praticar a permuta de bens de consumo por bens coloniais. Faziam parte dos primeiros: bagaceira; vinho; sal; arroz; feijão; peixe salgado; utensílios diversos, como espelhos; colares de missangas; pentes; peças de pano, roupa diversa, etc… Pertenciam aos segundos: café; cacau; óleo de palma; coconote (caroço do fruto da palmeira); fruta diversa, etc… Era no interior que também tinham as suas pequenas roças agrícolas e pecuárias, a maior parte delas deficitárias, pois parte da sua produção servia de abastecimento do pessoal que nelas trabalhava.
Os Colonos, na sua generalidade, depois de meia dúzia de anos, deixavam-se seduzir pelo feitiço da terra que os acolhera e acabavam por se radicar definitivamente, desligando-se, material e afectivamente de Portugal Continental. Aqui vinham consorciar-se para os seus descendentes nascerem nas Colónias e tornarem-se verdadeiros africanos.
Focada a figura do Colono, tratemos agora a do Colonialista. Este foi um agente colonial que serviu de elo de ligação entre o regime então vigente e o domínio colonial. A sua origem era de famílias burguesas e média alta, abastadas, com actividades de média e grande dimensão, sedeadas em Portugal Continental. Utilizavam o seu poder económico para usarem o colono como seu instrumento na aquisição dos bens coloniais aos preços por eles fixados, muito abaixo do mercado internacional. Contribuíram, sobremaneira, para o subdesenvolvimento das Ex-Colónias, durante largo período de tempo – até meados dos anos sessenta -. Coniventes com o regime, conseguiram que fossem proibidas, nas ex-colónias, culturas de trigo, vinha, olival, para permitir que os produtos destas culturas fossem exportados, com exclusividade, pelas suas próprias empresas e associadas, de Portugal Continental, para aqueles territórios. Beneficiando do proteccionismo do Estado, o Colonialista tinha o privilégio da exploração e comercialização das riquezas minerais, enquanto que se o colono se intrometesse nessa área, além de incorrer em multas pesadas era incriminado e sujeito a prisão. Grande parte das mais valias obtidas pelo Colonialista em vez de serem investidas nas ex-colónias, eram transferidas para Portugal, Deste facto, resultou um grau de investimento condicionado e proporcionado ao magro lucro disponível do Colono. Este tratamento diferenciado que o Estado dispensava aos Colonos e seus descendentes em relação aos Colonialistas, deu origem ao rótulo atribuído aos primeiros, de portugueses de 2ª, com o acesso dificultado a empregos do Estado.
A dessintonia de actuação destas duas figuras distintas foi um dos factores influentes no processo de descolonização desfavorável aos interesses legítimos dos colonos e seus descendentes radicados nas ex-colónias e da maioria dos próprios africanos.

OS MABECOS E O CHIMPAZÉ

(PUBLICADO EM 06/04/2007,
NA CIDADE DE TOMAR)


Esta história situa-se na década de quarenta, num local algures da África equatorial, duma ex-colónia portuguesa. Os seus 5 protagonistas estiveram envolvidos numa situação dramática, que acabou por ter um desfecho feliz, com vencidos e vencedores.
Corria o ano de 1943, quando, numa madrugada húmida e quente, Fernando e seu filho João se deslocavam numa velha camioneta, a povos (aldeias) do interior, para fazerem a permuta de bens com as populações locais. Fazia parte da comitiva o ajudante da viatura, afro-descendente, de nome, Ezequiel, de 32 anos de idade. Fernando, era um colono, emigrado de Portugal, no início do século passado, contava 45 anos e dedicava-se ao comércio e indústria. Seu filho João tinha 8 anos e frequentava a (antiga) 3ª classe. Com a cumplicidade do pai e contra a vontade da mãe, faltava mais uma vez às aulas para fazer companhia a seu pai.
Nessa noite havia chovido copiosamente, como é característico da época pluviosa. A estrada, inteiramente de terra, estava repleta de buracos e lama, o que obrigava a precaverem-se com correntes para os pneus. Ao fim do longo percurso duma planície, onde o piso por sinal era bom, a estrada penetrou na floresta, deixando de se ver o sol avermelhado que se erguia majestoso e imponente, no horizonte. A camioneta resfolegava rolos de fumo, produzidos pela elevada temperatura da água do radiador, ao iniciar a escalada duma subida de cerca de 25º. Esse esforço dispendido, foi compensado pelo arrefecimento do motor na descida subsequente que culminava numa ponte de paus dum pequeno riacho, de águas cristalinas. Ao meio da descida, não obstante a perícia experiente de Fernando que conduzia a viatura, esta acabou atolada nos trilhos fundos da estrada empapada de lama
Imediatamente, Ezequiel tratou de pôr em execução a sua técnica habitual de socorro, montando o macaco por baixo da viatura para, elevando-a, permitir a colocação, no trilho, de alguns ramos de palmeira e, nas rodas traseiras, as respectivas correntes. Enquanto accionava a descida do macaco, a dobra das calças, da perna direita, ficou presa nas estrias do macaco. Foi precisamente, neste momento, que, da floresta, irrompeu uma alcateia de cerca de 25 “mabecos” (lobos africanos que vivem na África Central). Cresceram em direcção a Ezequiel, que, se debatia, desesperadamente, para se libertar do macaco. Fernando e seu filho João, que se haviam refugiado no cimo da carga, estavam estarrecidos com a situação delicada de Ezequiel, sem nada poderem fazer. Limitavam-se a gritar e acenar com os braços, na tentativa frustrada de afugentar os mabecos, sedentos de sangue.Como por milagre, surgiu da floresta, um Chimpanzé robusto (primata habitante das florestas da África litoral e central), que tomou posição entre Ezequiel e os mabecos. Estes preparavam o cerco àquele que já imaginavam ser a sua próxima vítima, servindo-se das suas ferozes e avantajadas mandíbulas para o estraçalhar. O Chimpanzé, fazendo-se valer da sua compleição física, ergueu-se imponente e autoritário, levantando os braços esguios e compridos. Começou a agitá-los, formando círculos bruscos no ar, acompanhados de rugidos ameaçadores que ecoavam pela floresta. Esta cena prolongou-se por bastante

quarta-feira, 8 de junho de 2011

RETRATO DE UMA ANGOLA NOS ANOS 60



(ARTIGO PUBLICADO EM 05/01/2007,




NA "CIDADE DE TOMAR")




Pela leitura de algumas obras literárias que têm vindo a lume, recentemente, de vários autores (não escritores), mais especificamente, de jornalistas, fica-se com uma ideia cor-de-rosa da vida angolana nos anos 60.
Na verdade, quem nasceu e viveu em Angola, intensamente, uma vida de labor e sacrifício nos 2º e 3º quartéis do século passado, conhece perfeitamente a realidade angolana. Esta não se resumia à vida das principais cidades de Angola, onde imperavam elites que se compartimentavam em núcleos burgueses, usufruindo de verdadeira abastança proveniente das suas vastas propriedades agrícolas e pecuárias e, em casos particulares, da exploração ilícita de diamantes, de marfim e de ouro, com interesses ligados a Portugal Continental.
Outrossim, o verdadeiro motor da economia angolana emanava das actividades de pequena e média dimensão, pertencentes a colonos radicados nos distritos do interior, nas áreas comercial, agrícola e industrial. Desse potencial irradiava a força motriz bastante para gerar o crescimento da economia angolana. Era também nesse grupo de empreendedores que se travava a verdadeira luta pela sobrevivência, em condições precárias, como carência de alimentos, de água potável, canalizada, de energia eléctrica, de estradas asfaltadas, de cuidados de saúde, de apoios financeiros e a inevitabilidade da perseguição política. Eu próprio, sem ter sido político activo, tenho processos nos registos da Pide.
Neste contexto, assumo as minhas afirmações, como protagonista dessa época, ao ter vivido intensamente todo o percurso da minha adolescência e da minha vida activa, enfrentando as condições adversas já atrás mencionadas, no então Enclave de Cabinda. Este distrito, dependente do poder central de Luanda, apesar de ser um Enclave, não tinha qualquer autonomia e, por esta razão, nunca beneficiou do merecido desenvolvimento, à excepção da redução de algumas taxas aduaneiras.
Cabinda era uma terra rejeitada pelos funcionários, por ser considerada de desterro, muito embora, depois de a conhecerem, seduzidos pelo seu feitiço, ficarem com vontade de lá se radicar ou de regressar de seguida. Também a maioria das regiões do interior de Angola sentia as mesmas dificuldades de Cabinda, para se poderem desenvolver, de molde a se colocarem ao lado de cidades privilegiadas, como Luanda, Nova Lisboa, Sá da Bandeira, Moçâmedes, Lobito e Benguela.
Nas minhas muitas deslocações a Luanda, apercebia-me do fosso que separava a sociedade de Cabinda, da de Luanda. Aqui, e nas restantes cidades angolanas, tratava-se as gentes oriundas do interior, como de terceira categoria (dizia-se, “vindas do mato”), pois o Estado já distinguia os naturais dos não naturais, classificando os primeiros como cidadãos de segunda categoria. Mais tarde, tive a confirmação deste facto, quando assentei praça em Nova Lisboa, considerada a 2ª cidade de Angola. Tinha lugar, no ano de 1956, nesta capital de Distrito, o primeiro curso de sargentos milicianos. Os mancebos, chamados a prestar serviço militar nesse ano, eram, na sua generalidade, portadores de boa formação. Porém, isso não obstou a que fossemos descriminados, por sermos simples recrutas e não nos enquadrarmos no tipo de sociedade que imperava então em Nova Lisboa. Chegou-se ao extremo de proibir que os recrutas se sentassem em certos cafés, frequentassem o cinema “Ruacaná”, a determinados dias da semana, e namorassem raparigas da terra. Esta descriminação era extensiva a alguma população residente.
Concluindo: haviam três classes distintas que viviam e conviviam mal entre si, assim constituídas: 1º - os afro-descendentes “não qualificados”, divididos na conquista, a qualquer preço, duma independência exclusivamente africana ou multirracial; 2º - os afro-descendentes “qualificados” e os colonos brancos e seus descendentes, desejando uma independência pacífica e multirracial; 3º - os quadros superiores do Estado, encabeçados pela PIDE, os “bufos”, as figuras públicas e os colonialistas brancos e seus descendentes, defensores intransigentes da manutenção do regime colonial.
Por falta de pluralidade e convergência de ideais e objectivos de toda a população angolana, deu-se uma ruptura na sociedade que contribuiu, em grande medida, para o enfraquecimento da unidade colectiva, e permitiu a descolonização discricionária que o Estado Português protagonizou, sem acautelar os interesses gerais dos seus cidadãos, a quem foram renegados os seus legítimos direitos, em total liberdade. Haverá ainda muita história para revelar, sobre a realidade angolana, que ficará para outra oportunidade.

O PÁSSARO QUE VOLTOU A VOAR



(ARTIGO PUBLICADO EM 26/01/2007,
NA "CIDADE DE TOMAR")





Era uma manhã de verão como tantas outras. Abri o duche para aquecer a água do banho, enquanto ajeitava a minha barba que, apesar de rala, requer mais cuidado do que uma barba normal. O barulho do correr da água não foi o bastante para abafar um piar muito vivo e o bater de asas que chegavam ao meu ouvido atento, vindo de algures do interior da casa de banho.
Fechei a água e sentei-me calmamente num banco. Prestei uma atenção mais apurada ao piar que agora já era menos vivo e mais espaçado. Fiquei desde logo preocupado, pois ocorreu-me, de imediato, a ideia de que se tratava de um pássaro que estava em apuros no cano respiradouro que vai do rés-do-chão ao terraço do prédio. Achei que tinha a obrigação de salvar de uma morte certa, aquele pássaro indefeso. Era uma maneira de eu, cumprindo o meu dever, ficar bem com a minha consciência.
A operação de resgate, aparentemente simples, passava por retirar a grelha que tapava o tubo respiradouro. Tentei, em vão, desapertar os 3 parafusos que, calcinados, fixavam a tampa. O pássaro já dava indicações de estar rendido ao desenlace fatal, pois o seu piar tornara-se fraco e agonizante. Redobrei os meus esforços e recorri ao engenho e à arte possíveis para resolver a situação, sem perda de tempo. Lembrei-me então de utilizar um pouco de azeite - à falta de óleo -para lubrificar os parafusos calcinados. Com bastante esforço e teimosia consegui, num ápice de tempo, desenroscar 3 parafusos, ficando um, por libertar, que se manteve teimoso e não quis ceder. Antes, porém, tive o cuidado de encaixar no tubo um cartão que impedisse a queda do pássaro no abismo.
Executada esta última fase de salvamento - a mais difícil - que eu considerava como bem sucedida, de imediato me deu um amargo de boca e tristeza. Ao introduzir a mão no cano para procurar estabelecer contacto com o pobre do pássaro, não só não o detectei como deixei, definitivamente, de ouvir o seu piar doloroso e o bater das asas. Retirei-me da casa de banho, desalentado, e dirigi-me à cozinha para compartilhar a triste notícia com minha mulher. Admitimos a hipótese do pássaro se ter precipitado no abismo do tubo. Todavia, eu não estava convencido dessa probabilidade, pois tinha fé que, se algo me influenciou para salvar aquele pássaro, ele estaria vivo e seria restituído à sua plena liberdade.
Insisti pois em regressar à casa de banho, precedido por minha mulher. Quando lá entrei, andava um pardal a esvoaçar dentro da banheira, dando largas ao seu contentamento. Constituiu uma grande alegria para nós, este desenlace feliz. Apanhei o pardalinho, afaguei-o na concha da minha mão e depois de lhe dar um beijo, lancei-o ao espaço. Ele voou, por uns instantes, fez um círculo e passou junto a nós – num gesto de agradecimento e despedida - perdendo-se sobre os telhados. Foi reconfortante para mim, vê-lo a voar, novamente.
Antes do banho, voltei a sentar-me no banco e relacionei este simples caso com o de muitos seres humanos que, por falta do estender de uma mão amiga, não têm a oportunidade de se libertarem de amarras e desânimos, relançando as suas vidas na busca de um Futuro Melhor. Temos o dever de estar atentos e de lhes despertar Expectativas Positivas.

CABINDA - A TERRA PROMETIDA AFRICANA



(ARTIGO PUBLICADO EM 17/11/2006,
NA "CIDADE DE TOMAR")






Porque será Cabinda a Terra Prometida Africana!? Perguntará o leitor imbuído de curiosidade. O desvendar do significado desta interrogação estou eu autorizado a prestar-lhe, pois foi nesta abençoada terra que nasci e cresci.
Com localização equatorial privilegiada, fica situada a 5º33’00.00” a Sul do Equador e a 12º11’.04.00” a leste do Meridiano Principal. É limitada a Norte pela República do Congo (Brazaville), a Leste e Sul pela República Democrática do Congo (Kinshasa) e a Oeste pelo Oceano Atlântico. Por se encontrar fisicamente separada de Angola, tornou-se conhecida por “Enclave”, (designação algo redutora mas verdadeira). Tem a área de 12.000 km.2, sendo 10.000 km.2 de terra e 2.000 km.2 de água (dispõe de muitos cursos de água e lagoas). A costa Atlântica é de 150 km. e a fronteiriça de 421 km.. Os recursos naturais são principalmente: petróleo, diamantes, ouro, manganês, fosfatos, urânio, gaz, madeiras exóticas, café, cacau, óleo de palma, coconote, bananas, peixe, etc. A população é de cerca de 1.500.000 habitantes. A capital é Cabinda (Tchiowa). O clima quente e húmido e a pluviosidade elevada criaram condições únicas no mundo para a germinação e desenvolvimento de ricas e abundantes variedades de vegetação policromática, com predominância dos verdes - de tons diversos - e de animais de grande e pequeno portes, concomitantemente com a rica fauna marítima, mormente piscícola, formando um autêntico Éden. Esta terra paradisíaca só tem alguma similitude no Amazonas, da América do Sul e em Papua, da Nova Guiné, cujo habitat ímpar propiciou também a caracterização muito particular dos seus indígenas, entre os quais eu me incluo: elevado sentido de identidade própria; civismo; solidariedade; índole pacífica; sensibilidade filosófica, etc.
Achei indispensável fazer estas avaliações para percebermos a razão que assiste ao povo de Cabinda para desejar que sejam respeitadas as suas origens e tradições. Os herdeiros deste sublime legado, corporizado por este povo humilde, mas nobre de sentimentos, gostaria que lhe devolvessem a “Chave” do território que os seus ancestrais entregaram de boa fé à guarda de Portugal. Por esta razão única e legítima reclamam os seus direitos. As relações dos naturais com os colonos «não colonialistas» portugueses ali radicados, foram amistosas e pacíficas - não tendo qualquer equiparação com Angola -, devendo merecer um tratamento digno e conclusivo. Convém salientar que até aos anos 50, do século passado, vivia-se pacificamente, sem sobressaltos, com janelas e portas francas. Tudo era primitivo, pois não havia água potável nem canalizada e só se usufruía de 10 horas diárias de energia eléctrica, repartidas por 2 horas ao meio dia e 8 horas durante a noite. Não havia asfalto e as viagens ao interior, por estradas tortuosas e lamacentas, faziam-se a um ritmo de 1 hora por cada 10 km. A relação dos habitantes (leia-se “indígenas”) com a natureza deste território era pacífica e harmoniosa até ao momento da chegada dos intrusos,

Todas estas considerações justificam plenamente que consideremos Cabinda como Terra Prometida Africana, possuindo tudo que há de melhor: Natureza Pura e Riqueza Material e Humana, distintas, que os Cabindeses sabiamente preservam e tentam resguardar das ambições desmedidas dos neocolonialistas.

DO APRENDER A LER AOS HÁBITOS DE LEITURA

(ARTIGO PUBLICADO EM 01/12/2006,

NA "CIDADE DE TOMAR")

A leitura deve fazer parte dos nossos hábitos diários, tal como o comer, o dormir, os cuidados de higiene, etc.… Talvez que quem não sabe ler almejasse saber fazê-lo para enriquecer o seu conhecimento e cultura. Ao invés, a maior parte das pessoas que sabem ler, por razões várias, não se interessam pela leitura. Este desinteresse foi-se enraizando na maneira de viver das pessoas desde que surgiram os meios modernos mais sofisticados de comunicação e informação. Estou a falar da televisão e da Internet.
Quando se descobriu a escrita, por ser uma novidade, o desejo de aprender a ler era o mesmo que hoje despertam os novos meios audiovisuais de comunicação. Não estava ao alcance de qualquer cidadão a aprendizagem da interpretação da escrita, não só pela escassez de mestres do ensino, mas também por falta de meios para a aprendizagem normal e fácil. Os primeiros profissionais da escrita foram os escribas, passando depois pelos cronistas e poetas e mais recentemente pelos escritores e jornalistas. Toda a produção de escrita se profissionalizou e o seu incremento e desenvolvimento foi de tal ordem que, com mais ou menos qualidade, superou a capacidade de consumo dos leitores mais interessados.
Até meados do século passado, começava na escola primária a adquirir-se o hábito da leitura com o rigor da aplicação das regras gramaticais, dando lugar a uma plêiade de artífices da arte de escrita de elevada credibilidade. O ensino obrigava à leitura, em voz alta, perante o professor e a aula, da lição do dia, que a seguir era analisada gramaticalmente. Utilizava-se obrigatoriamente o dicionário de Português. A geração de então produziu muita literatura e textos jornalísticos de qualidade que certa nova geração está a dar continuidade. Pena é que todo esse trabalho não seja objecto da apreciação generalizada do cidadão. Este tem a sua atenção desviada para notícias fotográficas e aleatórias, estampadas nas revistas, de impacto imediato e atraente, por não querer fazer qualquer esforço de leitura. Por outro lado, não se deve considerar como válida a justificação do custo dum jornal ou dum livro como impeditiva do hábito de leitura. Apenas este se perdeu e com ele extinguiu-se o alimento cultural que enriquece e estimula a vivência do indivíduo. Gasta-se dinheiro com certas extravagâncias sem o retorno que só a escrita pode oferecer ao estímulo do nosso espírito.
Resta-nos a esperança que as novas gerações venham a redescobrir o gosto e a apetência pela boa leitura a fim de, através do enriquecimento do conhecimento e da informação séria, poderem enfrentar, os desafios do futuro, com maior tranquilidade, esgrimindo os seus argumentos válidos para a sua defesa pessoal e da própria sociedade em que se encontram inseridas.

ABRAÇAR A CIDADE



(ARTIGO PUBLICADO EM 22/12/2006,




NA "CIDADE DE TOMAR")




Viver na cidade é um privilégio dos seus residentes que têm a obrigação de contribuir para a sua valorização, conservação e divulgação. Todavia não é isso que se verifica e porquê?
A resposta é muito simples. A vida citadina tornou-se de tal modo absorvente que a maioria dos seus habitantes se alheia do espaço físico que ocupa para se preocupar quase que, em exclusividade, com os seus compromissos profissionais e de ordem pessoal. A própria família é relegada para segundo ou terceiro planos. Os mais prejudicados deste alheamento são os filhos. De facto, a comunidade actual duma cidade tornou-se muito egoísta e a sua conjectura subordina os seus constituintes a defenderem-se da agressividade duma concorrência feroz entre si e com outras comunidades, tanto nas profissões como nas mais diversas actividades.
Esta situação poderia ser amenizada e até eliminada se as pessoas soubessem olhar para a sua cidade como elemento valioso da sua vida, estimando-a, apreciando a sua beleza histórica e actual, os seus valores tradicionais e a convivência de cumplicidade urbana. Deveriam os seus habitantes pararem, de quando em vez, numa rua, numa esquina, numa colina ou até no alto de um edifício, para usufruírem do prazer de apreciarem a beleza do pormenor da arquitectura de um prédio, de um monumento, de uma rua, praça ou jardim, contemplarem as crianças a darem largas às suas brincadeiras, e prestarem uma especial atenção aos idosos, pioneiros da comunidade.
Outra vertente a que os residentes devem dar preferência, é a prioridade das aquisições dos seus bens de consumo na sua cidade, contribuindo para o seu crescimento económico, de que resultariam a criação e estabilização de empregos e maior fortalecimento do tecido empresarial.
Todo o alheamento desta realidade, apenas contribuirá para um maior distanciamento do citadino da sua cidade e o consequente definhamento da sua grandeza, perdendo dinamismo e projecção nacional e internacional. Esta constatação é evidente e eu próprio sou testemunha desse fenómeno, por me ter radicado em Tomar, adoptando-a como minha segunda terra Natal, em detrimento doutras cidades como Leiria, Abrantes e Torres Novas para não falar em Lisboa, Coimbra, etc. Assisti, impotente, a este crepúsculo que virá afectar e comprometer o futuro dos nossos descendentes, ávidos de iniciarem a sua vida activa e construírem o seu futuro, em prol do desenvolvimento da sua terra Natal ou de adopção, que é Tomar. Unamos as mãos e, em conjunto, abracemos a Nossa Cidade.


A DIMENSÃO DO TERRORISMO

(ARTIGO PUBLICADO EM 27/10/2006,
NA "CIDADE DE TOMAR")


Todos sabemos que o terrorismo é um mal que perdura ao longo dos tempos, qual monstro hediondo criado e alimentado pelo ser humano à sua própria imagem, sendo hoje um flagelo muito mais violento e abrangente que em épocas anteriores. O terrorismo que vivemos é global e atravessa transversalmente todos os povos terrenos. Começa nas células familiares e termina no topo dos estados. Tem as mais diversas proveniências, mas assenta principalmente na ausência de educação e de tolerância. Estes princípios devem adquirir-se no seio familiar, continuados e reforçados nas escolas. Infelizmente, isso não se verifica, outrossim, constata-se, em muitas famílias, um procedimento inverso. Analisando esta problemática, com a devida atenção, verificamos que os exemplos partem dos pais, por diversos motivos: agressões verbais e corporais; ódios; invejas; ciúmes; dificuldades financeiras; luxúria, negligência de ganhos de instrução e cultura.
Fora dos lares a situação é agravada pelo contacto constante com os vícios quotidianos que envolvem uma sociedade artificial e consumista. Prevalece a inveja; o ódio; a provocação; o consumismo; a ociosidade; o desperdício e sobretudo a ambição desmesurada. Todos estes factores, por si, ou interligados, contribuem para actos de puro terrorismo. Daqui resulta, na quase totalidade dos casos, o corte de relações: familiares; de trabalho; institucionais e entre Estados.
O terrorismo é permanente e cada vez tem mais o beneplácito dos próprios Estados que, em vez de organizarem o modelo de sociedade adequado a uma convivência saudável e ao progresso social ideal, antes pelo contrário, dão mau exemplo, acirrando esses confrontos e praticando guerrilhas institucionais - autênticas batalhas campais. Na génese deste “status quo”estão a burocracia e a injustiça que imperam nos sistemas políticos instituídos.
Como resultado destas deformações civilizacionais que perpassam por todos os Estados, surgem as confrontações que, de verbais – de índole ideológica político-religiosa-, passam a conflitos armados, inicialmente pontuais e periódicos e mais recentemente a generalizados e reincidentes. A incapacidade e passividade evidenciadas pelas Nações Unidas de controlarem e regularem a ordem internacional, provocam desgoverno e prepotência das Nações que a compõem, dando lugar, a qualquer momento, a um conflito mundial em que todos perderão e ninguém lucrará. Ou todos os princípios que regem as sociedades e os povos vêm a sofrer uma inversão ou então resta-nos rezar para que não haja novo Apocalipse.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

TENHO FOME

INÉDITO

Tenho fome do passado,
Do passado vivido
E sofrido.

Tenho fome das brincadeiras,
Brincadeiras divertidas,
Jamais esquecidas

Tenho fome dos banhos,
Banhos quentes da baía,
Iluminada pela lua.

Tenho fome do nascer do sol,
Vermelho e brilhante,
A crescer no horizonte.

Tenho fome das comidas e frutas,
Sabores únicos, tropicais,
Sempre gostosas.

Tenho fome dos matos e rios,
Densos de vida e cheiros,
Enleados ao meu corpo.

Tenho fome dos pássaros,
Do chilrear e múltiplas cores,
Agora em silêncio.

Tenho fome dos amigos,
Pretos, mulatos e brancos,
Distantes, mas presentes.

Tenho fome do ar e do sol,
Do mar e dos luares, sedutores,
Presos ao meu olhar.

Tenho fome das minhas coisas,
De valor motivo e tradicional,
Tristemente perdidas.

Tenho fome de poder perdoar,
Sem coragem para o fazer,
Enquanto não esquecer.