Esta história nunca foi escrita, nunca foi inventada, nunca foi por mim contada aos meus filhos e meus netos, não por falta de inspiração, mas apenas por falta de tempo. Quando estive na iminência de a contar a meus filhos, as circunstâncias então vividas, com a minha vinda forçada para a Pátria Mãe impediram-me de fazê-lo. Hoje, na pacatez do meu recato caseiro, brotou em mim o desejo de narrar a história verdadeira do Pato-marreco que deixou os meus descendentes presos de curiosidade até à sua maioridade.
O Pato-marreco existiu na realidade durante a minha adolescência, No quintal da minha casa colonial, existia uma pequena poça d´água sombreada pela folhagem de um coqueiro empertigado e vaidoso abraçado pelos cocos, seus filhotes. O Finório – nome porque era tratado um pato preto, de asas e patas brancas –, chafurdava naquele minúsculo lago, em cumplicidade comigo que me entretinha a brincar com barcos de papel por mim construídos.
Bruscamente, do alto do coqueiro, precipitou-se um coco que vinha, fulminante, na minha direcção. Num ápice, o Finório que foi o primeiro a aperceber-se da catástrofe, da qual eu seria a vítima, deu-me uma bicada para eu saltar e protegeu-me do impacto do coco, que acabou por atingir o seu frágil corpo. Do seu acto instintivo de coragem resultou eu ter sido poupado a um acidente de consequências graves, enquanto que o Finório ficou imobilizado, em tratamento intensivo, durante um mês. Não escapou à sina de ficar marreco, tornando-se conhecido para sempre como o “Pato-marreco”.
Este é o exemplo mais flagrante de que um indefensável animal, consegue ser humano, quando arrisca a sua própria vida, retribuindo a protecção que o seu protector e amigo lh presta, neste caso, eu próprio.
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