quinta-feira, 1 de abril de 2010

UM REGRESSO BREVE E SURPREENDENTE


INÉDITO

Depois de uma longa viagem nocturna, o Airbus da TAP, aterrou finalmente no aeroporto de Luanda. Como o meu destino era Cabinda, apanhei a boleia de um friendsipp, após o transfer imediato dos passageiros com aquele destino. O pré-reformado avião teve dificuldade em deixar o solo, sofrido pela super-lotação de passageiros e de carga. Sentia-me intimidado, à beira de um sufoco, resultante do ar irrespirável e da compressão dos passageiros que, apinhados, se acotovelavam e lutavam por resistir ao trepidar ruidoso do avião.

Cerca de hora e meia após termos sobrevoado a foz do rio Zaire – o 2.º mais longo de África -, atingimos finalmente o Enclave de Cabinda. Bruscamente, surgiu no horizonte o traço rectilíneo da pista de aterragem. O avião prosseguiu a sua rota, descaindo um pouco para a esquerda para depois traçar nos céus de Cabinda, uma longa curva à direita, sobrevoando a baía das “Almadias”, apinhada de poços de petróleo em exploração. A sua trajectória deu-me uma visão ampla de Cabinda, destacando-se o núcleo central da cidade com o desenho de há três décadas, mas sofrendo a variante de agora estar espartilhada por centenas de casas de construção precária – de adobe, madeira e palha -, onde vive uma população inflacionada cerca de 50 vezes.

Ao pisar o solo cinzento e tórrido do meu berço, debrucei-me para apanhar uma porção de terra que levei saudosa e enternecidamente aos lábios para beijar e sentir o seu aroma forte e equatorial, característico. Misturei-me com os restantes passageiros na primitiva e rudimentar aerogare, como se o tempo ali tivesse parado durante aqueles anos volvidos. Passei anónimo, sem ser reconhecido, com a minha nova imagem, sem cabelo, de barba crescida e com o semblante carregado pelas marcas duma vida castigada pelo exílio forçado e prolongado. Cumpridas as formalidades legais, indaguei de transporte para a cidade. Surgiu uma carrinha station Ford vergada pelo uso e carga excessivos. Já tinha recebido 11 passageiros e eu completava a lotação, perfazendo com o motorista 13 ocupantes, número que me deixou apreensivo por eu ser supersticioso. O custo do bilhete era único, não contando a distância e os passageiros iam saindo e entrando durante o itinerário até ao fim da linha que seria o centro da cidade.

O condutor, oriundo do Buco-Zau, distrito do Maiombe, curioso, quis saber quem eu era e o que ia ali fazer. Esclareci a sua curiosidade, dizendo-lhe que estava de visita à minha terra Natal e para validação da minha resposta, ia apontando os nomes dos locais e ruas de Cabinda por onde passava. De tal maneira ele se sentiu honrado em ter-me como seu passageiro especial, que me proporcionou mais uma volta extra pela cidade, conduzindo-me ao meu destino, sem me cobrar um tostão. Para reforçar a sua cordialidade, prestou-se a repetir comigo, no dia seguinte, um passeio mais alargado pelos subúrbios da minha Cabinda que culminou com um almoço a dois pago por mim. Esta foi, sem dúvida a melhor recepção que poderia ter tido na minha própria terra, ao fim de 32 anos, da parte de alguém que eu não conhecia, com metade da minha idade e nascido numa aldeia da floresta do Maiombe, a cerca de 120 km. da cidade de Cabinda.

Durante a minha curta permanência de um mês em Cabinda, seguiram-se vários acontecimentos, alguns felizes, outros surpreendentes, verdadeiras peripécias dignas de serem relatadas numa próxima crónica.

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