terça-feira, 14 de outubro de 2008

FRONTEIRAS

VERSOS INÉDITOS


Com várias fronteiras fui confrontado,
Atravessando-as sem algum retrocesso,
Por forças estranhas fui amaldiçoado,
Não esmorecendo de obter sucesso.

As primeiras fronteiras foram vencidas,
Quando a vida tentei construir,
Barreiras muitas foram banidas,
Com muita seriedade e sem mentir.

Obrigado o Equador atravessar,
Procurei abrigo em Portugal.
Forças me quiseram amordaçar,
Tentando lançar-me no lamaçal.

Resisti às fronteiras cinicamente erguidas,
Com coragem e muita determinação,
Sofri de peito aberto profundas feridas,
Com tempo, espaço e cicatrização.

Das fronteiras que me foram impostas,
Reduto familiar forte consegui criar,
Recusei indecentes e más propostas,
Meu rumo próprio consegui reencontrar.

África, grave e vil ofensa me lançara,
Memórias e bons tempos do tamarindo,
Assistirei expectante a nova Aurora,
Que do futuro surgirá entre o cacimbo.

Os Deuses lá no alto bem atentos,
Justiça clamarão seja na Terra feita,
Alimentarão esperanças e alentos,
Aos terrenos cuja sorte os espreita.







sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A DOR

VERSOS INÉDITOS

Regressei à minha Terra e levei a Dor,
Quis deixá-la abandonada.
A Dor não me largou, aumentou.
Antes, trouxe-a comigo guardada.

A Dor que trouxe foi muito maior
Da Dor que cresceu em mim.
Dias, meses e anos sem fim,
Dor vinda d´Alguém Superior

Evitei com a família a Dor compartilhar,
Porque a Dor fui eu que a criei e quis.
Não porque a tolerei, mas por a suportar,
Para evitar que sofressem o que sofri.

Habituei-me a viver com a Dor,
Com ela passei a compartilhar
A esperança, a descrença, o amor,
Sorrateira, outra dor poderá chegar.
.
Quando a Dor desaparecer no Além,
Ficarei sem ela certamente,
A Dor não vai querer ninguém,
Que nela não creia cegamente.

Lutei por me libertar da Dor.

Mas a Dor não me quis deixar,

Colou-se a mim com fervor,

Dor cruel e difícil de tolerar.



domingo, 5 de outubro de 2008

OS ESPOLIADOS

INÉDITO (A PUBLICAR)

Este grupo de cidadãos recebe aqui a designação mais apropriada da sua verdadeira condição e nele estão incluídos os “retornados” e os “refugiados”. A designação de “Espoliados” é a que, com mais propriedade e autoridade, se deve aplicar às pessoas que perderam os seus bens, total ou parcialmente, por incapacidade da Nação Portuguesa ter exercido o seu dever, protegendo os seus bens e as suas vidas da voragem de agressão e apropriação indevida dos seus direitos legítimos por parte de hostes sedentas de pseudo vinganças e enriquecimentos fáceis e imediatos, ilícitos.

Os espoliados, eram brancos, mestiços e africanos e deixaram as províncias ultramarinas portuguesas, rumando a diversos destinos, desordenada e inesperadamente, impelidos pela auto-defesa da sua integridade, deixando, contrariados, os seus bens que não conseguiram pôr a salvo em devido tempo. Esta atitude resultou do facto de terem sentido a ausência efectiva da protecção, que lhes era devida, pela sua própria Pátria que os abandonou literalmente no momento mais crucial das suas vidas.

Os seus destinos foram os mais variados, individualmente, em grupos familiares completos ou desmembrados. Alguns foram para a África do Sul, Rodésias e Namibe, outros para o Brasil, América e Canadá e a maior parte para Portugal “Continental”, país de origem e que representava a matriz da Pátria, tanto para africanos como para colonos e seus descendentes.

Os espoliados que optaram por destino, Portugal Continental, passaram pelas mais variadas situações sócio-económicas, consoante o seu habitat de acolhimento. Uns foram acolhidos por familiares, outros em pensões e residenciais – enquanto durou a ajuda do Estado –, e ainda bastantes que, não conseguindo acolhimento em organizações de apoio aos sem abrigo, se perderam por barracas, pelas estações do metro, pelas ruas, pelos vãos de escada, além dos casos extremos de demência e dos que desistiram de viver.

Os que teimaram em sobreviver abraçaram um calvário que passou a fazer parte da sua vida quotidiana, enquanto a sua presença era considerada como intrometida numa sociedade marcada por uma ditadura opressiva de décadas. A mudança levou tempo a processar-me e passou por os espoliados provarem por actos e palavras que eram pessoas capazes, com qualidades de trabalho, conhecimento e visão indispensáveis para transformarem as mentalidades instaladas. Gradual e progressivamente foram impondo os seus direitos e razões, inculcando um impulso na reactivação da economia e modernização de Portugal.

Ao fim de cerca de três décadas a integração foi quase total, à excepção de um grande número de casos identificados pelo seu desenraizamento abrupto das suas terras natais, que não conseguiram assimilar em pleno, nem parcialmente, as novas micro-sociedades comunitárias onde se instalaram. As famílias identificadas com esta situação, por motivos de fragilidades económico-financeiras e dificuldades de integração, sentiram-se desestruturadas, passando duma classe média para uma classe pobre. Estas circunstâncias não permitiram nem permitem que estes espoliados consigam alguma vez superar os efeitos negativos que lhes causam as realidades actuais dos seus países de origem, cujas políticas viciadas continuam a defraudar as perspectivas legítimas dos seus naturais que ambicionavam a sua libertação efectiva.


O TOCADOR DE FLAUTA

INÉDITO

Ao fazer o meu passeio matinal higiénico a pé, nos subúrbios de Tomar, fui surpreendido por um som harmónico e melodioso de um instrumento que não me era estranho e que vinha do interior de uma casa térrea, modesta. Interrompi a minha marcha e dispus-me a desvendar o mistério, batendo à porta daquela casa. Deixei de ouvir o som e fui surpreendido pela silhueta de um homem de estatura média, esquálido e de pele trigueira e rugosa que me questionou: “o que é que pretende desta casa?”

Eu apenas lhe respondi cordialmente: “fui atraído pelo som mágico de uma flauta. Era o senhor que a tocava, tirando-lhe esses acordes tão melodiosos e afinados?” Ele retorquiu afirmativamente, esclarecendo que era ele e que o fazia para afastar maus pensamentos e recordar momentos de felicidade que acasalado viveu com sua defunta mulher. Ela chamava-se Benedita e quis o destino cruel que um tumor cancerígeno a levasse prematuramente para o outro Mundo.

Foi uma viagem sem retorno de Benedita que enclausurou para sempre em sua casa, Mestre Inácio, calceteiro, de profissão, tão bom a fazer calçada à portuguesa como exímio a tocar flauta. A primeira por amor à profissão e a segunda por amor eterno à sua mulher.

PALAVRAS E PESSOAS

VERSOS INÉDITOS

Porque ligo as palavras às pessoas?
Será porque as palavras falam das pessoas,
Ou porque as pessoas falam das palavras?

As pessoas utilizam as palavras para ferir,
As palavras servem-se das pessoas para ler,
Quem mais lucra deste jogo encoberto,
São as pessoas que tentam emergir,
Ou as palavras que guardam o saber?
Num Mundo de Medo e Desértico?

Com as palavras constroem-se ideias,
Inventam-se histórias falsas e verdadeiras,
Fazem-se declarações de Fé e Amor,
Pelas palavras protege-se e dá-se tareias,
Dão-se flores brancas de amendoeiras,
Fazem-se promessas e traições sem temor.

Com as palavras as pessoas ofendem,
Abusam das palavras sem consentimento,
Utilizam-nas como prostitutas fáceis,
Acham que das palavras não dependem,
Mas imploram piedade e arrependimento,
Nos momentos difíceis e menos hábeis.

As palavras têm sempre razão,
As pessoas julgam tê-la, mas não.
Da prova de força entre as duas,
Surgem verdades nuas e cruas,
Dando razão às palavras sinceras,
E culpando as pessoas megeras.

Com as palavras constroem-se lindas histórias.
Reais ou de ficção, o enredo não interessa,
Sonhos e aventuras as pessoas imaginam.
As palavras guardam para sempre as memórias,
Permitem que a vida em si não esmoreça,
Transmitem às pessoas vida, não intimidam.

Declarações de amor e promessas constantes,
Ameaças e vinganças de alvo indiscriminado,
Enganos e desenganos danosos e ferozes,
As palavras são hábeis e mortificantes,
Atingem todos e tudo, o mais amaldiçoado,
As palavras não perdoam, são atrozes.

Pessoas e Palavras, de ódios sedentos,
De tanto guerrearem e discordarem,
Nascerão corpos hediondos sem mente,
Sem rosto, almas frias, corações sangrentos,
Perderão forma e sentido, de tanto lutarem.



sexta-feira, 26 de setembro de 2008

ENALTECER A PLANÍCIE

VERSOS INÉDITOS

Dia de Sol tropical resplandecente,
Espraiando-se pela planície, vaidoso,
Luz da minha vida incandescente,
Na descoberta do irreal temeroso.

Pintado de ocre em tom suave e sóbrio,
Sigo ansioso a picada sem fim à vista,
Descobrindo na planície o sol tórrido,
Deslumbro-me numa tela de artista.

Pincel de artista africano inspirado,
Na paisagem arrebatadora e inebriante,
De génio criativo único e mal-amado,
Por invejas de um qualquer tratante.

Descubro novos horizontes, outra Natureza,
Animais, répteis, árvores e arbustos,
Tela multicolorida de singela subtileza,
Criação da Natureza e artistas astutos.

Estou a alcançar o fim da planície,
Guardo para mim a visão singular.
Painel de deslumbrantes matizes,
Oferta Africana, Terra, Ar e Mar.


.



sábado, 20 de setembro de 2008

PALAVRAS...

VERSOS INÉDITOS

As palavras fluem e correm como rios,
Brotam do meu âmago quando respiro,
Aquecem os meus neurónios frios,
Refrescam o meu ego de vil martírio.

São cúmplices dos meus monólogos,
Já que desabafar não tenho com quem,
Apontam-me caminhos teatrólogos,
De encenação pessoal p´ra ninguém.

Revejo-me nas minhas palavras ardentes,
Reencontro-me nas minhas mensagens,
Vivo na busca de surpresas permanentes,
Descubro, surpreso, respostas selvagens.

Insistente, vou às palavras descobrir,
O que me atormenta é cego e mudo,
Tento sempre desabafar e não mentir,
Não recebo notícias, continuo sisudo.

Nas palavras encontro inspiração,
P'ra a vida enfrentar de peito aberto,
Conforto, coragem e transpiração,
Dizem em segredo que estou certo.

Não desisto, continuo a ler e a soletrar
As palavras que minha inspiração revelam,
Para sempre olhar, recordar e amar,
Tudo o que mal intencionados verberam.

Das palavras fiz obras por alguns admiradas,
Por outros lidas mas não reconhecidas
Resta-me o conforto das obras declamadas
Por mim construídas, ditas e sentidas.

Das palavras não desisto, eterno amor,
Construirei mil ideias e desejos irreais,
Fluir e flutuar no imaginário, sem temor,
Por toda a vida gravadas em memoriais.




quinta-feira, 18 de setembro de 2008

EMPRESAS FAMILIARES - QUE FUTURO?

PUBLICADO

A actual situação económico-financeira crítica das Empresas Familiares portuguesas não tem merecido da parte do Estado o mesmo tratamento que tem sido dispensado às empresas de média e grande dimensão por estas lhe assegurarem a sua sustentabilidade política. As Empresas familiares pertencem à vasta família das Microempresas que se definem por manterem 1 a 10 postos de trabalho e um reduzido volume de negócios. O seu peso na economia nacional é de cerca de 90% e as suas actividades estão genuinamente implantadas em bairros urbanos e zonas rurais.

Do mesmo modo, não obstante a existência de dezenas de associações comerciais e industriais, além das confederações a que pertencem as Microempresas, verifica~se uma flagrante apatia e desinteresse da parte destes organismos na defesa dos reais interesses destas empresas, que se sentem esvaziadas do seu legítimo direito reivindicativo. Por esta razão, sendo eu técnico de contas há 55 anos, ligado ao mundo empresarial de reduzida dimensão, tenho assistido ao nascer e morrer de dezenas de empresas familiares, algumas das quais fizeram parte do meu currículo profissional, pelo que me sinto em condições de poder pronunciar-me sobre as causas e efeitos que afectam o bom funcionamento e desempenho das ditas empresas.

Sendo certo que muitas destas empresas pertencem a empresários menos bem preparados para assumirem o risco duma gestão eficiente e duradoura (realidade esta transversal a toda a sociedade activa portuguesa), também é verdade que são objecto de profunda descriminação pelo terreno, em que todas elas se movem, minado de armadilhas e dificuldades que lhes são impostas por vários factores, a saber: a) – a injustiça fiscal e social; b) – a ausência de apoio concreto com reduzidas taxas de spread a médio e longo prazo por parte da banca; c) – a concorrência desleal e feroz das suas próprias congéneres e das grandes superfícies; d) - a dispersão dos consumidores por hipermercados e outros centros de consumo aleatórios e supérfluos; e) – a logística e períodos de funcionamento; f) – a própria conjuntura económica e financeira actual. Passo a desenvolver em pormenor estes itens:

a) – Pelo lado fiscal, as empresas comerciais, do regime simplificado, são tributadas, indiscriminadamente, na base de 20% de margem, considerada líquida do volume de facturação. Não é levado em linha de conta o tipo de actividade, uma vez que as margens diferem consideravelmente (as tabelas com coeficientes reguladores das margens de lucro para efeitos de tributação nunca foram publicadas, como estava previsto). Como exemplo posso citar uma tabacaria, vendedora de jornais, revistas e tabaco, em que a margem média bruta oscila entre 12% a 15%. Por outro lado, nas empresas individuais com contabilidade organizada, as remunerações dos empresários e seus familiares, não são consideradas, injustamente, custos da empresa. Também se verifica uma flagrante injustiça ao ser considerado o volume de negócios, como rendimento ilíquido, para efeitos do cálculo das contribuições para a segurança social do empresário, cujo valor é fixado na base de 1,5 salário mínimo nacional, caso o seu rendimento bruto anual ultrapasse 18 vezes o salário mínimo nacional. (Actualmente, no regime obrigatório, a contribuição mensal é de 155,22 euros, enquanto que, no regime alargado, a contribuição é de 195,56 euros). Todavia, o lucro líquido da maior parte das empresas familiares não chega a ultrapassar o salário mínimo actual de 426,00 euros multiplicado por 18, o que dará 7.668,00 euros anual. Assim, seria justo que a contribuição mínima fosse calculada nesta base. Por esta mesma razão, a quase totalidade dos empresários familiares perdem o direito ao abono de família justo que deveria ser concedido aos seus filhos. Outra penalização social é a da total ausência de subsídio de doença, no regime obrigatório, enquanto que no regime alargado esse benefício só se verificará após 30 dias de baixa e pelo máximo de 365 dias. A agravar as condições de trabalho destas empresas, há a pressão permanente da ASAE, os encargos acrescidos da publicidade pública para as autarquias, as taxas da Sociedade Portuguesa de Autores pela utilização nos estabelecimentos de aparelhos sonoros e televisores (não se percebendo porque é paga por todos nós – enquanto consumidores -, uma taxa de audiovisual na factura da energia eléctrica, de 1,71 euros, como particulares e 3,42 euros como empresas);
b,) – Pela parte do crédito bancário, verifica-se uma forte penalização com os juros elevados praticados, sob pretexto do factor risco que os bancos correm. Todavia é desvalorizado o facto desses custos agravarem a rendibilidade das actividades que vão absorvendo os capitais próprios até atingirem a insolvência e eventual falência, levando a que o próprio banco, que usufruiu de parte dos lucros do seu cliente, acabe por lhe inviabilizar a actividade, com o corte brusco do crédito e a devolução, em casos pontuais, de cheques sem provisão;
c) – Determinadas actividades já estão saturadas, por demasiada concentração, porque, no pressuposto de obterem boa margem de rendibilidade, outras do mesmo ramo se instalam, com muita proximidade. Para captarem a clientela da concorrência vêm-se forçados a reduzir as margens de comercialização e a aumentar os seus custos com o marketing exigível para sua publicidade e afirmação;
d) - Por fim, a fuga de clientes, para as grandes superfícies - aliciados por promoções e operações de marketing instantâneas e ilusórias -, e para outros centros de consumo supérfluos como os eventos musicais, desportivos, etc…O crescendo desta situação conta com o apoio das autarquias que fomentam a instalação das médias e grandes superfícies, em detrimento do comércio retalhista de reduzida dimensão.
e) – Os preços dos bens comerciáveis adquiridos por estas empresas estão, na generalidade, acima dos preços obtidos pelas médias e grandes superfícies; os horários de funcionamento, para além das 8 horas normais, tornam-se impraticáveis e incomportáveis, dado o acréscimo de custos sem retorno lucrativo;
f) – A conjuntura actual económica e financeira também tem influência dominante na crise destas Empresas, pois com a redução do volume de negócios e o constante agravamento dos custos (nomeadamente os fixos), os resultados líquidos vão sendo gradual e proporcionalmente reduzidos.

Abstenho-me a apresentar quadros com números exemplificativos das situações mais problemáticas e eventuais resultados por, além de ocupar muito espaço, se tornar exaustivo e desnecessário, dada a evidência dos factos referidos.
Sucintamente, ficaram identificadas as principais causas do definhamento do tecido empresarial de 90% das empresas, constituídas pelas microempresas (sobretudo familiares) que correm grave perigo irreversível de extinção, colocando em graves dificuldades de sobrevivência os seus proprietários, suas famílias e eventuais colaboradores. A culminar esta situação, estes empresários e familiares acabarão por ficar sem qualquer direito a subsídio de desemprego. Não obstante o meu pessimismo, desejo que todas as premissas negativas apontadas sejam invertidas com as correcções que se impõe aplicar, de molde a viabilizar as empresas que correm sério risco de desaparecer.

CONTABILIDADE - ARTE, CIÊNCIA OU INDÙSTRIA?

PUBLICADO

A abordagem que me propus fazer ao tema indicado, baseia-se na perspectiva pessoal em que observo atentamente e há longos anos a evolução da Contabilidade. Segundo os historiadores, a Contabilidade atravessou quatro épocas distintas, ajustando-se e acompanhando o progresso económico e tecnológico, a saber:

a) – Contabilidade do Mundo Antigo, que começa com a civilização e vai até 1202 da Era Cristã. Os primeiros registos contàbeis datam do término da Era da Pedra Polida, em que são feitos os primeiros desenhos e gravações pelo homem, naquele tipo de pedra e em pedras de argila. Esses registos passavam por gravações de desenhos e símbolos, conjugando o figurativo com o numérico, com a preocupação principal de cativar o interesse e entusiamo dos profissionais interessados no enriquecimento dos seus conhecimentos. Os registos mais antigos conhecidos, são egípcios e remontam a 6.000 anos antes de Cristo. Tiveram também papel preponderante nesta área, os sumérios, os babilónicos e os assírios, em que se destacam as famosas tábuas de Uruk. Pelas características apresentadas, a Contabilidade deste período pode classificar-se como Arte pura com uma componente Científica;

b) – Contabilidade do Mundo Medieval, de 1202 da Era Cristã até 1494. Em 1202 é publicado o livro “Liber Abaci”, de Leonardo Pisano que lança um impulso decisivo no aprofundar do estudo da Contabilidade, no campo científico e técnico. O surgimento do capitalismo no século XII incentivou o estudo de técnicas de matemáticas, pesos e medidas, câmbios, etc… Foi uma época marcada sobremaneira pela Técnica aliada à Ciência

c) – Contabilidade do Mundo Moderno, de 1494 a 1840. Este período coincidiu com o advento dos impérios modernos e a época quinhentista; o apogeu das descobertas obrigou a contabilidade a adaptar-se a maior rigor e exactidão exigíveis na contabilização das riquezas vindas do Oriente e das Américas. Havia necessidade de fornecer informação atempada e selectiva às Empresas de molde a conhecerem com maior exactidão os seus resultados e poderem corresponder à prestação de contas ao Estado, mais exigente na cobrança dos impostos devidos pelas mais-valias desse caudal valioso de bens comerciáveis e industrializados. Foi então lançado o primeiro tratado sério, intitulado “Tratactus de Computis et Scripturis” (Contabilidade por Partidas Dobradas), de Frei Luca Paciolo. Este tratado criou o primeiro conhecimento percursor da verdadeira contabilidade, no seu conceito mais amplo e genuíno, com a estruturação do Inventário e como fazê-lo, o Memorial, o Diário e o Razão, a Abertura e Encerramento de Contas e respectivos processos de escrituração e ainda sobre o Arquivamento de Contas e Documentos. Pelas razões apontadas, a Contabilidade adquiriu aqui maior equilíbrio entre a Arte e a Ciência;

d) - Contabilidade do Mundo Científico, de 1840 até aos dias de hoje. Este período pode ser dividido em dois períodos distintos: de 1840 até 1970, caracterizado por uma normalização do manuseamento da contabilidade, tornando-a mais atraente, objectiva, concisa e clara, com um maior equilíbrio entre a Arte, a Ciência e a Técnica. Este trinómio deu maior credibilidade à Contabilidade e aos seus profissionais. As operações eram fielmente reproduzidas nos lançamentos de partidas dobradas e passaram a ser produzidos, com regularidade, os Mapas dos Movimentos Diários, dos Balancetes mensais e do Balanço Anual com o indispensável Inventário rigoroso; após 1970 até aos dias de hoje, a contabilidade sofreu profundas alterações, algumas que considero de selvagens, tanto na sua execução como nos meios materiais (ferramentas) utilizadas. Devido à rapidez com que a economia evoluiu, nestas últimas 4 décadas, houve necessidade de adaptar a contabilidade às exigências do mercado global concorrencial, com normas demasiado teóricas e desmedidas que acabaram por adulterar profundamente a essência da Contabilidade pura. Esta anormalidade estendeu-se às obrigações declarativas fiscais, com a expressão máxima da correcção do lucro contabilístico, para apuramento do lucro tributável. Estas interferências contínuas obrigaram os profissionais a enfrentarem uma desenfreada concorrência e competitividade entre si, recorrendo à contabilidade feita “à pressão”, por preços muito baixos. Por este motivo, a Contabilidade Industrializou-se, não obstante as regras e directivas impostas pelos organismos que pretendem discipliná-la. Gerou-se assim um fenómeno anómalo e inconcebível que subsiste nos dias de hoje, obrigando os Técnicos de Contas a subjugar-se à Contabilidade e não, como dantes, em que a Contabilidade era, dignamente, dominada pelos seus profissionais.

Fica por descrever a evolução e modernização das ferramentas utilizadas na produção da contabilidade que, no decorrer da segunda metade do século XX, sofreu profundas transformações, acompanhando as novas tecnologias. Num próximo artigo, debruçar-me-ei sobre o papel dos profissionais responsáveis pela Contabilidade, designados Técnicos Oficiais de Contas, que têm uma importância fundamental na sua elaboração e apresentação.



A CONTABILIDADE E OS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS

PUBLICADO

No seguimento do meu artigo sobre a Contabilidade, é indispensável escrever sobre os profissionais, seus principais responsáveis, designados Técnicos Oficiais de Contas. Até ao reconhecimento oficial da profissão, eram tratados como Guarda-livros. Os TOC têm uma missão nobre e ingrata, mas única e primordial, que é a liquidação da maioria dos impostos arrecadados pelo Estado, a par do Controlo dos Custos e Proveitos e do Apuramento Anual dos Resultados Líquidos das Empresas. São obrigatoriamente sócios da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas - CTOC, a ser brevemente convertida a Ordem.

Os TOC têm tido sobre os seus ombros, uma responsabilidade crescente, com a exigência de uma preparação e formação permanentes e complexas, sendo, inversamente, cada vez mais mal remunerados. Estes profissionais, até 1974, eram objecto de disputa entre as Empresas, que procuravam admitir ao seu serviço os melhores, remunerando-os condignamente. Aliciavam os guarda-livros ao serviço da concorrência, com propostas vantajosas que, na maioria dos casos, se concretizava. Depois daquele período e já nos dias de hoje, devido à abundância de profissionais (os inscritos na CTOC são cerca de 80.000), vulgarizou-se a profissão, com ofertas de serviços por honorários mais baixos, excluídos dos Subsídios de Férias e Natal. Acho oportuno apontar as deficiências que enfermam a boa saúde da profissão e que a tornam vulnerável e propícia à especulação e oportunismo de parte das Empresas:

a) – Para que um gabinete de contabilidade, normalmente com um ou mais colaboradores, seja eficaz, tem de funcionar, pelo menos 10 a 12 horas diárias, incluindo aos sábados. O TOC responsável deve ter uma presença de 90% a 100% para acompanhar com eficiência o trabalho produzido de maior responsabilidade. Para que este objectivo seja atingido, terão os colaboradores de receber, além dos seus vencimentos ou honorários, horas extraordinárias efectuadas, além dos Subsídios de Férias e Natal que se tornaram um direito adquirido; os colaboradores acabam por trabalhar apenas 11 meses e receber 14 meses, enquanto que o Técnico de Contas cobra dos seus clientes apenas 12 meses, embora, na maioria dos casos, trabalhe 12 e 13 meses, visto que as Empresas acham que não devem pagar os subsídios;

b) – Os honorários dos TOC têm sido ao seu critério e, nalguns casos, os honorários mínimos não são respeitados, pelo que, devido à concorrência entre os TOC, as Empresas tiram disso partido, especulando com os valores dos honorários que pagam. Esta situação tem levado a que muitos TOC, sem escrúpulos, ofereçam os seus serviços mais baratos, retirando os trabalhos dos seus colegas, em seu proveito. Na base deste procedimento, estão alguns gabinetes, já superlotados de clientes que, massificando os seus serviços, utilizam a responsabilidade de TOCS no início da carreira, não dando muita importância, em muitos casos há qualidade das escritas;

c) - Aos TOC são exigidas pelas Empresas obrigações que extravasam as competências inerentes às suas funções de contabilistas, como sejam a legislação laboral e social - complexas e de mutações permanentes -, a feitura de contratos de trabalho e de arrendamento, etc…

d) - Os TOC são responsabilizados por actos próprios e exclusivos das gerências das Empresas, como sejam a aprovação de contas e respectivas actas, a entrega atempada ao Estado dos Impostos devidos, as Reclamações de toda a natureza às Entidades Públicas Estatais e até a outras Empresas e nalguns casos, excedendo o razoável, a correspondência comercial e particular;

e) - Também é exigido aos TOC a presença obrigatória nas acções de formação que se realizam, periodicamente, para contagem dos créditos fixados pela CTOC. Esta regra, além de sobrecarregar os TOC com um tempo adicional ao seu esforço, já por si anormal, não tem qualquer efeito prático, dado as matérias de algumas acções não interessarem ao tipo de escritas que executam.

Por escassez de espaço não me é possível alongar-me em mais considerações detalhadas, mas acho que, resumidamente, ficaram aqui explicitadas as principais preocupações dos TOC que não podem reclamar os seus legítimos direitos, em virtude de estarem situados no meio de um triângulo, em que nos vértices estão vigilantes o Estado, a Ctoc e as Empresas.





PROPOSTAS, PRIORIDADES E ESCOLHAS

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Todas as decisões por nós tomadas deveriam passar por propostas, prioridades e escolhas, resultantes de um processo lógico e natural, inserido nos princípios mais dignos da democracia e respeito mútuos. Todavia, não é esta a doutrina que é seguida, mas tão só a vontade decisória pessoal de quem se acha hierarquicamente superior com ou sem poder legítimo ou legitimado.

Obviamente que, falando de poder, estamos a referir-nos, não só a todo o indivíduo do qual está ou se acha investido, mas muito especialmente de quem governa e que, em regimes democráticos ou ditatoriais, estão investidos de plenos poderes institucionais ou não institucionais para decidirem, como mais aprouverem, dos destinos do País que governam. Contrariamente ao que seria desejável e expectável, as resoluções tomadas, são escolhas de cunho pessoal e ou vinculadas a interesses de grupos minoritários de indivíduos que tutelam a cátedra da produção das leis e da sua aplicação - acautelando, em primeira linha, os seus próprios interesses -, em prejuízo da maioria constituída pelo cidadão comum. Essas escolhas, deixam de passar por propostas, que deveriam reflectir a opinião e o sentimento geral, das quais se faria uma filtragem das prioridades a considerar, por serem as mais indicadas para o delinear de um programa sério e estratégico mais consentâneo com as reais possibilidades e necessidades da Nação.

Esta propensão exclusivista de decisões unilaterais é corrente e prejudicial para se conseguirem atingir os melhores objectivos que seriam desejáveis em todas as áreas da sociedade, passando pela política, pelas mais diversas actividades, por organismos públicos e privados, por todas as relações inter-sociais e particularmente inter-familiares. Por esta razão, a que ninguém presta a devida atenção, as famílias geram mal os seus rendimentos, chegando a situações irreversíveis de insolvência ou falência patrimonial.

Porque há omissão das propostas mais sérias, aviltamento das melhores prioridades e fraca qualidade nas escolhas feitas, as medidas, pesos e contrapesos finais das obras e acções concretizadas, não produzem o efeito mais apropriado e - no caso mais flagrante e sério da política -, o necessário crescimento económico para um fortalecimento do PIB do País.

Na causa pública, que a todos deveria dizer respeito, as permanentes discussões, debates, opiniões, críticas e sugestões dos especialistas em economia e gestão do nosso País, com a participação de partidos políticos, sindicatos, associações e grupos de opinião diversos, ficam de fora os cidadãos, como simples espectadores, sem voto directo nas matérias defeituosamente discutidas e decididas. Os governos dos vários quadrantes políticos, sendo ou não detentores do poder, não conseguem imprimir uma matriz credível às políticas seguidas, por falta de representatividade genuína das várias regiões do País e das suas gentes. A maior parte das autarquias também não cumprem com a sua verdadeira missão que deverá passar pelo acautelar dos verdadeiros interesses dos seus concelhos.

Enquanto não forem revistas e corrigidas as orientações mais lógicas nas propostas, prioridades e escolhas a fazer, nunca poderemos vislumbrar o progresso desejado e merecido do nosso Portugal, acautelando o futuro dos nossos descendentes.

O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

PUBLICADO


Estas duas premissas são constantes nos argumentos esgrimidos pelos portugueses para defenderem causas e pontos de vista diferentes que pautam a cadência das políticas económicas e sociais. É pela reincidência permanente no discurso mais radicalizado no “acessório”, subalternizando o “essencial” que se tomam as decisões erradas em tempos extemporâneos, protelando, indefinidamente, a resolução de problemas de importância crucial para o progresso do País.

Ao serem lidas as linhas desta breve introdução, fica-se com a ideia de que é simples retórica e que não contribui objectivamente para uma alteração do estado de coisas. A minha intenção não é modificar nada, mas simplesmente chamar a atenção para o facto do nosso comportamento poder ser corrigido, tratando os problemas mais pelo lado “essencial” que pelo lado “acessório”. Para melhor esclarecimento deste meu ponto de vista, passo a citar algumas questões flagrantes do quotidiano em que todos nós somos interlocutores intolerantes e inconsequentes:

1 – Quando a “avaliação dos professores” é posta em causa pelos agentes da própria classe, está a tratar-se do acessório em vez do essencial que é a própria avaliação em si, ponto central de que terá de se partir para um consenso e diálogo consertado de molde a chegar-se a uma solução definitiva, sem perda de tempo, que adiará o progresso do Ensino em Portugal, com visível prejuízo para os estudantes. O próprio governo, não dialogando, dá mais relevância ao acessório;

2 – Quando o governo vem declarar que não pode melhorar os aumentos das reformas abaixo do salário mínimo, por se tornar incomportável para a tesouraria do sistema de segurança social, está a tratar do acessório em vez do essencial que seria considerar objectivamente, com realismo e justiça, que os valores mais altos das pensões, mesmo sofrendo uma actualização com a aplicação de uma taxa mais reduzida, produzem aumentos desconformes;

3 – Estando o processo de uma herança para ser resolvido em tribunal há cerca de 6 anos, sem prazo previsível de solução, vem injustamente a Direcção de Finanças pedir o pagamento do respectivo imposto sucessório, o que, adicionados aos custos do advogado e de justiça, se torna incomportável para quem tenha um rendimento muito baixo, sem poupanças disponíveis. Além disso as contas bancárias da herança foram congeladas, impossibilitando a sua remuneração com o consequente prejuízo dos herdeiros. Neste caso, o Estado está a esquecer o essencial que é a resolução justa e breve do processo, intervindo como mediador e agente consensual, incentivando, pelo contrário, o acessório que, além de arrastar a decisão final, prejudica os interesses legítimos dos herdeiros, chamando a si as vantagens com as receitas que acaba por arrecadar.

Poderiam ser apontados os casos mais mediáticos do Aeroporto, do TGV, da ponte sobre o Tejo, da reforma da Saúde e de muitos mais milhares de exemplos, pois não há nenhuma questão do domínio público que não esteja envolvida no tratamento defeituoso que se lhe atribui, dando mais atenção ao “acessório” que é mediático e fútil em vez de ao “essencial”, verdadeiramente óbvio, útil e justo. Esta é umas das razões porque Portugal não consegue recuperar do lugar desfavorável que ocupa no concerto da União Europeia.

DEMOCRACIAS AFRICANAS EM GESTAÇÃO

PUBLICADO

É confrangedor constatarmos, ao fim de algumas décadas, desde as independências dos países colonizados, que a maior parte das democracias que neles se instalaram estão ainda em gestação com o sério risco de abortarem por dificuldades de consolidação.

Não é difícil fazer o diagnóstico desta disfunção política, ao analisar em pormenor as causas e efeitos da anormalidade instalada na maior parte dos países africanos. Para que a democracia seja adoptada como modelo político das nações africanas, terá de haver, da sua parte, vontade e neutralidade políticas, em relação aos interesses internos instalados que contam com a conivência e o aval das potências mundiais envolvidas.

Na base desse comportamento sedimentado, estão os recursos económicos inesgotáveis - sobretudo minerais -, desses países, que durante a era colonial não foram exponencialmente explorados, contrariamente, ao que muitas mentalidades progressistas querem fazer crer. Portugal foi a expressão máxima dessa prática, pelo regime de então ser demasiado egoísta e conservador dos seus recursos financeiros, em detrimento do desenvolvimento não apenas do País (europeu), como do País (ultramarino).

Entretanto, após as independências, os territórios africanos colonizados, foram deixados às suas próprias opções políticas, enveredando, na sua maioria, por governos unitários e déspotas, de cariz racista e totalitária. Numa primeira fase deixou de haver “economia de mercado” e “liberdade de expressão”, doutrinas políticas ausentes dos países marxistas, para que as novas políticas pudessem ser implantadas sem contestações e turbulências sociais. Esta situação permitiu que se criasse um núcleo duro ao redor do poder, umbilicalmente ligado por interesses pessoais. À sua volta proliferaram nichos de empresas e grupos poderosos internos e externos que, em regime de parcerias, chamaram a si o exclusivo da exploração intensiva dos recursos naturais - particularmente o petróleo -, e o monopólio de todo o circuito da economia e das finanças, contribuindo para o crescimento económico defeituoso dos países com maiores recursos. Dessa circunstância, resultou aproveitarem para a sua esfera de acção o controlo da maior parte do produto desse crescimento económico que deveria, lógica e justamente, ser repartido pelas populações que, com o seu esforço, participaram, activamente, na produção dessa riqueza, o que não se verificou nem se pratica.

Este processo histórico incontestável deu origem a que os países africanos vizinhos, de determinadas zonas geográficas, se tornassem cúmplices de procedimentos incorrectos - pouco claros e democráticos -, que adoptam, para fazer impor o seu regime antidemocrático redutor do seu livre desenvolvimento, em plena liberdade de direitos dos seus cidadãos. Esta circunstância gera a imunidade ao contágio e propagação de convulsões sociais instaladas para além das suas fronteiras. Por outro lado, é formada, automaticamente, uma barreira ao regresso dos naturais desses países, de molde a evitar que retomem a posse dos seus bens, injustamente nacionalizados.

Enquanto estes regimes persistirem no poder, nunca a democracia funcionará na maior parte de África, correndo o sério risco de muitas democracias claudicarem, com o retrocesso e consequente prejuízo material e social dos seus povos, percursores da existência do Homem na Terra. Ao invés, serão essas populações - permanentemente votadas ao ostracismo -, coagidas a ser-lhes negado o pleno direito, que defenderam denodadamente durante o colonialismo, de poderem usufruir dos avanços tecnológicos civilizacionais, com a consequente melhoria da sua qualidade de vida.

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OS MEUS BILHETINHOS

PUBLICADO


Tinha um hábito que se tornou rotina tanto para mim como para muita gente, de guardar, num dos bolsos, da camisa ou do casaco, bilhetinhos, que eram pequenos pedaços de papel com registos de assuntos para tratar. Funcionavam como “lembretes” para, a qualquer momento, ter acesso fácil de consulta.

Felizmente que, com o advento do telemóvel, este hábito desvaneceu-se quase totalmente, pois a agenda daquele miraculoso aparelho passou a ser a minha memória “robot”. No meu caso particular, mudei de hábitos por circunstâncias acidentais, inoportunas e inevitáveis. Há cerca de uma dúzia de anos, desloquei-me a Lisboa para desfrutar de um passeio domingueiro, aproveitando a pasmaceira da cidade, adormecida e liberta do seu bulício diário. O começo do frio de inverno já se fazia sentir, pelo que optei vestir, contra vontade, fato completo. Transferi automaticamente todo o micro acervo de bilhetinhos da camisa para o bolso exterior inferior do lado esquerdo do casaco, colocando a carteira em lugar seguro, num dos bolsos interiores do mesmo. Raciocinei como cosmopolita, habituado à vida trepidante e matreira das grandes urbes e não como um simples provinciano à descoberta do desconhecido fora do seu território, contando com alguma situação imprevista. Com muita dificuldade, consegui entrar dentro de uma carruagem do metro, ficando estrategicamente mal posicionado junto à porta. Instintivamente, cruzei os braços sobre o meu peito, abraçando o casaco de molde a resguardar a carteira, esquecendo por completo os bolsos laterais do casaco.

Bruscamente, ouço alguém dizer em voz alta: “se fosse comigo levavas um murro nessa cara”. Este momento coincidiu com um aperto a que fui sujeito e num ápice, com a paragem simultânea do metro, saíram, precipitadamente, da carruagem, três indivíduos, confundindo-se com os passageiros que circulavam na estação. Percebi então que o episódio tinha a ver comigo e apressei-me a confirmar como estavam os bolsos do casaco. Não constituiu surpresa para mim encontrar os bolsos vazios. Os ratoneiros tinham feito o favor de me levar todos os papelinhos poluentes, que nenhuma falta me faziam, enquanto a minha carteira permanecia sã e salva no bolso interior do casaco.

Esta tradição dos papelinhos já vem da nossa meninice, de há seis décadas atrás, quando brincávamos aos namoricos com as nossas colegas de escola, com as quais trocávamos mensagens ternas, com dedicatórias, versos e palavras de afecto e admiração. Na idade escolar, serviram de cábulas tão úteis nas provas de avaliação. Deu-se continuidade ao seu contributo útil na vida activa adulta, diária. Pela parte que me cabe, com o episódio descrito, perdi definitivamente o hábito dos papelinhos, embora por vezes tenha pena de não poder servir-me deles para mandar uma mão cheia de recados a umas quantas pessoas que pululam à nossa volta, soberanos, com poder e intocáveis, que ditam as leis à sua maneira e nos tratam mal, sem nos darem a oportunidade de qualquer direito de defesa dos nossos legítimos direitos.

ALMA CHEIA, MÃOS VAZIAS

VERSOS INÉDITOS

Olho para as minhas mãos em vão,
Vazias as vejo sem nada de nada.
Nos meus sonhos, cheias é ilusão
De tanta promessa falsa esperada.

Dissipados os tempos de mãos cheias,
Tempos presentes surgiram com nada.
Apenas sobras e imagens frias e feias.
Acabei por dar o pouco que me sobrava.

Na vida, sério e trabalhador mostrei ser,
Cumpri com as regras de lutas leais.
Surpreendido, não consegui a lei manter,
Atraiçoado fui por golpes baixos e desleais

De todas as direcções partiram setas,
Tentando atingir-me mortalmente.
Resisti ferido, não desistindo das metas
Ambicionadas a alcançar moralmente.

Cheguei ao fim de mãos rugosas e vazias,
De coração dilacerado a palpitar
Depois de acordar de sonhos e profecias,
Sem ninguém em especial para recordar.

De tudo, o nada me ter sobrado,
Como guerreiro que não desarma,
Não desisti da guerra, vivalma,
De coragem e vida fui inspirado.

Da vida o último capítulo foi encerrado,
Com as mãos vazias e o olhar no infinito,
Alma cheia, ansiando por ser lembrado,
Por tudo que me é justamente merecido.

HORIZONTE SEM FIM

VERSOS INÉDITOS

Tanto caminho percorrido sem fim,
Surpresas, mão estendida, repudiado,
Não sei a razão de proceder assim,
De quem julguei ser bem tratado.

Bem me esforcei por todos ser amado,
Perdoando e dando o melhor de mim.
A nenhum pecado me achei tentado,
Temendo começar e jamais ter fim.

De trecho em trecho, pisei urtigas,
Coragem, lágrimas e sorrisos abri,
Disfarçando noites mal dormidas,
Encobrindo pesadelos que atraí.

Sem fim, mas mais curto, o caminho
De buracos e pedras calcorreado,
Agreste e penoso tornou-se sofrido,
Mau grado evitar ser martirizado.

Com o horizonte a diluir-se mais perto,
Rever o passado procurei nas lembranças
Confirmar se nos meus actos estive certo,
Enganado estive toda a vida de esperanças.










terça-feira, 16 de setembro de 2008

COMO APRENDI A VIVER

VERSOS INÉDITOS

Aprendi a sonhar
Naquele mundo algo primitivo
Envolvido no verde da vegetação,
No azul do mar e colorido dos animais

Aprendi a brincar
Sozinho e com alguns amigos
Ao correr, saltar e jogar à bola e à macaca
Nos encontros fortuitos com cobras e lagartos

Aprendí a amar
Os meus pais, os meus irmãos e a minha família
Admirando-os e obedecendo-lhes na rebeldia
De uma liberdade irreverente mas disciplinada

Aprendi a respeitar
Os meus amigos, protectores atentos,
O chimpanzé que me vigiou no leito
O cozinheiro, o lavadeiro, o muleque e outras gentes

Aprendi a conviver
No dia a dia da minha faina
No meio das árvores e do mato
Na escola, na igreja e no lar

Aprendi a não ter medo
Da escuridão, ao adormecer só em casa
Noite dentro, nos serões de meus pais,
Quando eu era esquecido por momentos

Aprendi a crescer e a ser homem
Pela vida saudável e de verdade
Que compartilhei dia a dia com um Mundo
Diferente daquele em que hoje sobrevivo

Não estou sozinho, sinto-me acompanhado
Pela minha família, pelo nosso sangue,
Que tento proteger das adversidades
Na certeza donde venho, sem saber para onde vou.


COMO APRENDI A ENVELHECER

VERSOS INÉDITOS

Aprendi a envelhecer,
Corrigindo os erros do passado,
Procurando relançar os últimos projectos,
Enfrentando novas realidades e obstáculos.

Aprendi a envelhecer,
Assistindo enternecido ao crescer da família,
Com o nascimento dos netos e bisnetos
Fiéis depositários da minha imortalidade.

Aprendi a envelhecer,
Com surpresas, traições e humilhações,
Escudado na minha integridade e fé inabaláveis,
Ciente da razão e da sabedoria inquebrantáveis.

Aprendi a envelhecer,
Tentando provar as minhas competências,
Resguardando-me da sociedade competitiva e crítica,
Recusando ser injuriado e julgado pelos detractores.

Aprendi a envelhecer,
Transmitindo aos meus descendentes, valores
Positivos e dando conselhos úteis e oportunos,
Como escudos de defesa e identidade própria.

Aprendi a envelhecer,
Sem me arrepender do meu passado,
Farol do novo caminho a percorrer,
Como exemplo corrector de novas directrizes.

Aprendi a envelhecer,
Com tudo que meus pais me transmitiram,
Que guardei ciosamente durante toda a vida,

Como espólio e herança da sua coragem e orgulho.








VENTOS DO SUL

VERSOS INÉDITOS

Invisíveis e velozes, passam os ventos
Vindos do Sul, mudos e cegos,
Sem novidades nem promessas,
Apressados e silenciosos.

Temeroso da sua violência,
Deixo-os passar para o seu destino,
Tentando em vão perceber,
A mensagem que não adivinho.

Serão promessas vãs de bons tempos,
Ou serão eternas ameaças veladas,
Permaneço ignorante e expectante
Por notícias breves esperadas.

Esperei minutos, horas, dias,
Meses, anos e até décadas,
Senti o vazio do chamamento
Com os ventos indiferentes

Os ventos um dia me trouxeram
Alguém que meu amigo dissera
Ser de peito e de verdade. Mentira,
Pura ilusão e sonho desfeito

Os ventos assim o trouxeram,
Os ventos assim o levaram,
Meu amigo não era com certeza,
Da minha situação não se compadecera.

Muitos mais anos em vão esperei,
Por novos ventos com boas novas.
Apenas tempestades semeei
E frutos não pude colher.

Sem bonança nem Paz resisti,
Lutei, desbravei mil caminhos.
Portas de ferro e aço fechadas,
Portas trancadas, descobri.

Filhos, netos e bisnetos vi nascer,
Com ventos de má feição, permanentes,
Nunca me sentindo derrotado
Antes fortalecido e esperançado.

Com muita Fé, ainda creio
Que os ventos irão mudar,
Vindos de Sul com boas novas,
P´ra nossa vida melhorar


ÁGUAS PASSADAS

VERSOS INÉDITOS

Águas mornas, azuis e transparentes
Passaram velozes à minha frente,
Indiferentes.

Vi nelas bruscamente,
O reflexo do meu rosto
Perplexo e indisposto,
Observando indefinidamente
O passado e o presente,
Prevendo o futuro
Misterioso e secreto

Águas que ao passar, não vão voltar,
Levaram consigo os meus sonhos,
Deixaram-me as recordações e o
Pesar.
Alegrias, tristezas e esperanças
Diluídas no cacimbo das manhãs,
Húmidas, de cheiros fortes, verdadeiros
Titãs

Águas tornadas imundas e turvas,
De tudo com que consigo arrastaram,
Fazem esquecer do quão tristemente
Sujas.

Nem o filtro do tempo já ido
Purificou as águas conspurcadas,
Levadas pela ira das chuvas para a
Eternidade.

Águas que em turbilhão e velozes
Apressadamente correram para o mar,
Fugindo dos demónios da Terra,
Atrozes.

No oceano das recordações vivas,
Na angústia, dos tempos, mergulhadas,
As águas encontraram por fim,
As Ninfas desejadas.




OS AVÓS

Versos Inéditos

Seres únicos, ternos, dedicados,
Por seus netos solicitados e adorados,
Mimos, brincadeiras, histórias,
Mestres, contadores de memórias.

Aparecem como milagre e dedicação
Nos momentos próprios e especiais,
Reclamados de fundo do coração,
Entregando-se de pleno e demais.

Professores da vida e do amor,
São distintos e singulares a ensinar,
Sabem ouvir e escutar com fervor,
Bons exemplos e modos de adorar.

Para toda a vida aos seus netos
Se entregam cheios de ternura,
Desejando ainda conhecer bisnetos,
Vivida uma vida dura e madura.

Já no além, seus netos e bisnetos
Surgem entre nuvens e visões
Lançando desafios assaz secretos
Para escutarem mais histórias e opiniões.


SOLIDÃO

Versos Inéditos

Sinto um vazio cheio de emoções,
Não sofro nem lamento as feridas,
Vivo e entranho sonhos e ilusões,
Projectos, ideias e obras preteridas.

Atento, ouço o eco do som do meu ego,
Tento acordar de um sonho profundo,
Abro os olhos, mantenho-me cego,
Permaneço só, isolado do Mundo.

Escuto o palpite do meu coração,
No tempo, inebriante e vertiginoso,
Cavalgando, sem parar, em vão…
Fugindo do supérfluo e malicioso.

Solitário, não triste, mantenho-me vivo,
Recordo a vida que passou e não vivi,
Ganhei força e ânimo, ainda sobrevivo,
Vivendo feliz e grato pelo que sofri.

Alheio de mim, atento ao Mundo,
Vejo rostos felizes e amargurados,
Imagens velozes passam ao segundo,
Na mente do meu ideário fecundo.

Rugas, cicatrizes de golpes sofridos
Transparecem sem disfarce justificado.
Sinais brancos e negros esculpidos
No meu rosto sombrio, triste e fechado.

Tudo que me rodeia, ruídos e silêncios
Marcam a minha história curta e longa.
Verdades e mentiras, ódios tensos
Perdidos no oceano como uma onda.

sábado, 12 de abril de 2008

POSTAL GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DE CABINDA


Provérbio Cabindês: “ Nzingu Kikanga Nzambi: Muntu limonho pódi Kikútula ko.”-
Liana que Deus amarra: O homem não a pode desamarrar.

Na minha perspectiva, Cabinda é uma ilha continental, autêntico Éden Equatorial. O meu amigo e patrício, já falecido, André Mingas, que foi assessor da Presidência da República de Angola, dizia, com muito orgulho, que Cabinda poderia ser a “Suiça Africana”.
Na realidade, a sua singular localização geográfica mereceu-lhe a atribuição da designação natural de “Enclave”, por ter como fronteiras, a Norte a República do Congo (ex-congo francês), a Leste e Sul a Repúplica Democrática do Congo (ex-congo belga) e a Oeste o Oceano Atlântico, A separá-la de Angola, além de território estrangeiro, ainda tem o Rio Zaire (Congo), o 2.º maior rio de África, a seguir ao Nilo.

ESBOÇO DO LIVRO "FILHOS DE UM PARAÍSO PERDIDO - HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA CABINDESA DE COLONOS"

INTRODUÇÃO

Provérbio Cabindês: “Kupódi túmuka ko. Nti ava kaménina”. (Ninguém pode arrancar: A árvore adulta que já tem raízes).

Ao abraçar a missão de escrever este livro, tenho como única finalidade concretizar três objectivos: a)-fazer justiça ao colono cabindês; b)-evidenciar e valorizar a família Serrano (personificada pela figura de meu pai, Comendador Artur Henriques Serrano), na sua missão altruísta simultânea de colono e missionário civil; c)-demonstrar que a sua obra, embora veladamente reconhecida como meritória, foi injustamente premiada com a confiscação de todos os bens da nossa família.

Desta última circunstância, resultaram danos gravíssimos para o nosso bem-estar com a deriva e o colapso totais, sentindo-nos traídos dos valores porque tanto lutámos, não reencontrando espaço e ambiente propícios ao desenvolvimento de projectos e concretização de objectivos inatingíveis.

O desenraizamento precoce de meus filhos para terras lusitanas em convulsão, privou-me dos meios materiais e emocionais bastantes que me permitissem a sua reimplantação cuidada e assistida de molde a poder assegurar-lhes o futuro de que eram merecedores. Perante o permanente confronto com a rejeição e bloqueio implacável a que fomos sujeitos nunca nos foi possível reiniciar a vida como seria justamente desejável.

As barreiras eram constantes, as portas fechavam-se umas a trás das outras e, não fosse a estrutura humana que caldeava a nossa vontade férrea de vencer, baseada nos princípios da sobrevivência africana, teríamos sucumbido a todas as contrariedades. Graças a Deus, soubemos persistir honesta e humildemente sem compensações relevantes, apenas suficientes para permitirem a nossa sobrevivência, enquanto os nossos bens de um milhão de contos continuam na posse ilegítima e ilegal dos senhores do poder, perante a indiferença e o beneplácito dos sucessivos governos de Portugal.

À nossa família sobra saúde, laços de união e fé inquebrantáveis e mais alguns anos de vida para assistir, cá na Terra, ao julgamento e justiça que a Providência se encarregará de fazer para que seja reposta a legalidade exigida.

Deixo um apelo aos meus familiares para que tenham Fé em melhores dias que a Aurora da nossa verdadeira Terra Africana nos indicia que prossigamos sem fraquejar.




segunda-feira, 7 de abril de 2008

A NOSSA BIBLIOTECA E A INFORMAÇÃO A AVULSO

( Publicado )

Os livros que vamos arrumando nas prateleiras do nosso espaço constituem um espólio importante para a nossa permanente actualização e avaliação das realidades vividas. Na informação a avulso, recorremos às revistas e jornais e outros meios de comunicação, como veículos informativos apelativos, pelo deslumbramento da sua apresentação plástica e da sua fácil assimilação.

São duas realidades distintas, em que a nossa biblioteca é muito mais valiosa sob o ponto de vista de formação e do conhecimento, do que as notícias do quotidiano. Os livros encerram toda a verdade realista e ficcionada sobre os factos vividos e prováveis de viver. A informação diária, embora mais mediática, tem os seus vícios de criação que, por motivos comercialistas, falseia e fantasia a verdade dos factos e dos acontecimentos.

Há o interesse sedento de estarmos informados a todo o momento, através dos mais diversos meios de comunicação, mas, inadvertidamente, acabamos por ficar confusos com tanta informação difusa e variada, sobre os mesmos assuntos, duvidando da sua credibilidade. Temos de reconhecer que esta prática se tornou automática e rotineira. Será, todavia, aconselhável e desejável que estes hábitos sejam preteridos para plano secundário, em alternativa pela leitura de bons livros, de autores de reconhecido mérito, cujos temas neles tratados, mesmo escritos há centenas de anos, são sempre actuais. Constitui excepção a imprensa regional que mantém a sua genuinidade e nos dá conhecimento de acontecimentos locais de interesse e oportunidade, para além dos artigos de opinião e crónicas sobre temas abrangentes.

Não é por acaso que os jovens, na idade da adolescência, manifestam maior interesse pela leitura em busca dos mistérios que o mundo lhes revela, despertando-lhes o desejo ardente e permanente de fazerem descobertas. Normalmente, essa apetência pela leitura acaba por se esbater, à medida que a sua incursão pela vida profissional activa, os vai absorvendo sofregamente. Esporadicamente, vão lendo um ou outro livro mais publicitado, mas o verdadeiro gosto pela leitura perde-se completamente, sendo substituído pela televisão, pela Internet e em muito menor escala pelos jornais, por ser o método mais simples, cómodo e rotineiro de estarem informados. Já na última fase da vida reavive-se nos espíritos o desejo e a apetência de regressar à leitura dos livros que permanecem intocáveis nas suas bibliotecas, baluartes do seu saber e conhecimento.

PENSAMENTOS/REFLEXÃO

(Inédito)

»Assistir impávido à auto-destruição da humanidade é negar a nossa própria existência. Muitos iluminados servem-se da política, pensando que é a única via para a solução dos problemas que afligem a humanidade. Mas, sem se aperceberem, ou, apercebendo-se da inviabilidade e ineficácia dessa acção, acabam por tirar proveitos próprios que, egoisticamente, prejudicam gravemente os indefesos.
»Quem se colocar de fora do sistema instituído, nunca conseguirá concretizar os seus projectos leais e únicos possíveis de congregar, num projecto de justiça e solidariedade, os mais oprimidos.
»É aberrante e demasiado chocante assistir ao sacrifício de vidas humanas por todo esse Mundo, com particular incidência no Hemisfério Sul, onde, a par da predominância da riqueza das matérias-primas, mal repartida, ainda se acentua mais a escravidão pela privação de direitos humanos e de justiça social, aumentando o já elevado índice de pura sobrevivência.
»Neste quadro desolador e chocante, sobressai Africa, por ironia, geradora do povoamento da Terra, que, por ter optado manter-se fiel às sua tradições genuínas, deixou-se ultrapassar por colonialistas e neocolonialistas que a exploram com o desassombro da maior desumanidade e humilhação, embora com a conivência de alguns actores da cena política africana.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O MUNDO E O NOSSO LUGAR

( Inédito)

É do nosso lugar, onde assentámos arraiais e vivemos o quotidiano, que nos tornámos observadores atentos e críticos de tudo o que nos rodeia, abrangendo todos os meridianos do Globo. O nosso lugar é a nossa trincheira e o nosso observatório do Mundo. O ângulo de visão e as perspectivas diferem do tipo de lugar e do seu observador: uma simples barraca, um andar encravado entre muitos outros, uma casa térrea modesta, uma vivenda ou um palácio. E há ainda os que não têm tecto; têm apenas um simples lugar.

É do nosso lugar que vigiamos o nosso vizinho, tentando descobrir-nos fraquezas para nos crucificar e não proezas para nos glorificar; é do nosso lugar que nos vemos vilipendiados e caluniados, sem fundamentos, para gáudio dos traficantes do boato e do mal dizer; é do nosso lugar que sofremos os aumentos dos impostos, sem remissão; é do nosso lugar que sentimos a perda de poder de compra e de regalias sociais; é do nosso lugar que vemos os nossos descendentes desertarem para outros lugares e para o Estrangeiro; é do nosso lugar que sentimos as dificuldades por que passam a nossa família e os nossos amigos; é do nosso lugar que nos apercebemos das injustiças e da privação de direitos; é do nosso lugar que assistimos, impotentes, aos horrores provocados pelas traições do Homem; é do nosso lugar que somos surpreendidos pela reacção avassaladora, destruidora e vingativa da natureza. É pelo nosso lugar que passam todos os projectos, todas as ilusões, todas as desilusões, todas as esperanças e todos os desenganos. Falta-nos coragem para sairmos do nosso lugar porque tememos que uma incursão pelo nosso povoado ou até pelo Mundo seja frustrante e se torne uma epopeia, dado o terreno minado que nos arriscamos a pisar e a desconfiança e cautelas com que seremos recebidos. Não obstante as nossas boas intenções, não somos correspondidos, e as sociedades tornam-se herméticas e impenetráveis.
O nosso lugar, além de refúgio, é o nosso local de peregrinação diária. Temos todos um recanto de devoção e contemplação, onde permanecemos mais tempo. Nele, revemo-nos através dos nossos principais objectos de estimação que não dispensamos por qualquer preço. A nossa relação afectiva com os mesmos contribui para o reforço da nossa auto-estima, particularmente nos momentos de maior isolamento e fragilidade, em que nos esquecemos completamente do mundo exterior, desfrutando do conforto do nosso lugar.

OS NOVOS-RICOS E OS NOVOS-POLÍTICOS

( Inédito )

Nos tempos que correm, impõe-se fazer uma análise isenta e concreta sobre a sociedade em que vivemos e que germinou depois do 25 de Abril. Constatamos a predominância de duas novas classes sociais, artificialmente criadas à revelia das classes sociais tradicionais e que passaram a controlar e a dominar toda a vida económica e social de Portugal: são os novos-ricos e os novos-políticos.
Passando ao pormenor desta análise, constatamos a cumplicidade existente e evidente entre estas elites sociais que se identificam por se situarem no mesmo patamar e com objectivos comuns. Os políticos, mediante a conquista dos pontos de decisão do país, através de eleições controladas pelos seus partidos, criam e fazem publicar as suas leis para serem cumpridas pelos restantes cidadãos. Estes não são escutados nem consultados na elaboração dessas leis. Os ricos servem de protectores e inspiradores desses políticos, através do seu poder económico, deliberando, em concordância mútua, remunerar-se sumptuosamente, condicionando os proveitos dos mais desfavorecidos. Desta relação promíscua resulta que o crescimento económico acaba por engrossar as bolsas desses novos-ricos, em prejuízo das classes laboriosas, principais obreiras desse crescimento.
A ilustrar a textualidade deste artigo, temos os casos recentes mais flagrantes dos interesses envolvidos por políticos e ricos, a saber: a decisão sobre as administrações das maiores instituições bancárias portuguesas, a Caixa Geral de Depósitos (pública) e o B.C.P. (privada); a construção do novo aeroporto; a rede do TGV; a indemnização astronómica atribuída a Paulo Teixeira Pinto, de 10 milhões de euros (cerca de 2 milhões de contos) e 500.000 euros anuais, (cerca de 100 mil contos), de pensão vitalícia, pela sua renúncia ao cargo que ocupava no B.C.P.
Eis a razão porque há uma descriminação cada vez mais acentuada entre as classes sociais do nosso País, em que ¼ da população já pertence aos mais pobres. Se não houver uma inversão de políticas, repondo a justiça e o nivelamento do poder económico e financeiro das classes mais baixas, assistiremos, irremediavelmente, dentro dos próximos anos, à extinção gradual da classe média com o crescimento abrupto das bolsas de pobreza. Será o desmembramento das famílias que constituem os verdadeiros pilares e sustentáculos da Nação.

POUPANÇAS DESPROTEGIDAS

( Publicado )

Prudêncio é um meu amigo de longa data. Reformou-se há sete anos da sua actividade liberal que exerceu intensamente durante 55 anos. Hoje, ao completar 72 anos, Prudêncio está desencantado e desiludido com a sua estabilidade e sobrevivência, pois, além da sua pensão ser muito abaixo do salário mínimo, as suas fracas poupanças não lhe garantem remuneração acima da inflação.

Em jeito de desabafo, Prudêncio contou-me que, aos 58 anos, determinada instituição bancária o aliciou a constituir um complemento de reforma, com a promessa de que, quando se reformasse aos 65 anos, ficaria com uma pensão vitalícia atraente. Prudêncio aderiu à proposta do seu banco e chegada a idade de reforma solicitou para que lhe fosse estabelecida a sua pensão vitalícia. Esta foi-lhe calculada na base de expectativa de vida por mais 20 anos, pelo que o valor da pensão diluída no tempo previsível de vida seria insignificante, além do Prudêncio correr o risco de falecer antes dos 20 anos e o saldo da sua conta reverter para o fundo de pensão.

.Sentindo-se enganado, achou-se, no entanto, novamente motivado a investir as suas parcas poupanças em certificados de Aforro, por achar que as condições de subscrição na modalidade B lhe garantiriam uma remuneração decente, em virtude dos depósitos a prazo para reformados serem remunerados a uma taxa inferior à taxa da inflação. Qual não foi o seu espanto, como é do domínio público, que os C.T.T., por acção do governo, resolveu alterar as condições remuneratórias dos certificados com prejuízo para os aforradores que investiram de boa fé.

O mais decepcionante e chocante para Prudêncio foi deparar-se com a perversão das regras de jogo de ambas as opções, contrariando as cláusulas que inicialmente tinham sido estabelecidas nos respectivos contratos. Entretanto, o meu amigo Prudêncio desesperado e desorientado, resolveu jogar cegamente na Bolsa de Valores, aproveitando a queda dos valores das acções cotadas, na esperança de que, desta vez, venha a ter sorte com a valorização das acções a médio prazo e poder vir a receber também alguns dividendos, desde que estes sejam distribuídos, contrariamente ao procedimento de determinado banco que não o fez com justiça, iludindo os accionistas com a justificação da necessidade do reforço da Provisão de Créditos Incobráveis (para cobrir dívidas que o banco resolveu perdoar a clientes privilegiados).

A história aqui narrada é verdadeira - embora o nome do personagem seja imaginário -, e é igual à de tantos outros milhares de cidadãos que vêm as suas poupanças desprotegidas, com expectativas legítimas defraudadas por regras anti-sociais. A pergunta que se coloca é simples: então, em quem confiar?!!!

sábado, 19 de janeiro de 2008

UMA GATA TERNURENTA

(Publicado)

São vinte e três horas, a noite está fria e húmida, própria da época invernal, e não há vestígios da lua. Muito timidamente abeiro-me da varanda do meu 3.º andar e o meu olhar dificilmente penetra no denso nevoeiro que cobre a cidade. Tomar oferece-se aos meus olhos, incaracterística e impenetrável, tal como a marulhada da sua vida quotidiana diurna. Apenas me é permitido vislumbrar os recortes ténues das esquinas dos edifícios mais altaneiros e uma luz mortiça a pairar na torre de menagem do castelo. Aqui o lençol de nevoeiro é mais denso, como que defendendo as muralhas dos ataques da mourama.

Este quadro surrealista tem tão de belo como de sinistro porque me faz sentir um misto de esperança perdida e de futuro vago e pouco claro. O primeiro sono da noite já se apossou da maior parte dos residentes da nossa cidade, enquanto que eu ainda deambulo pela minha casa. A causa desta espertina advém da minha gatinha spike que adoeceu com problemas cardíacos. Já tem oito anitos, mas segundo a veterinária o seu mal poderá ser de origem congénita. Está a responder favoravelmente aos tratamentos que lhe foram ministrados, mas não é seguro que recupere. Como todo o animal doméstico a skipe é uma fiel e dócil companhia. Ela transmite um sentimento de cumplicidade, parecendo perceber tudo o que se passa à sua volta, só lhe faltando falar connosco. Não há dúvida que animais como a spike merecem o nosso respeito e gratidão pela sua humildade e dedicação.

A spike tornou-se mais uma preocupação para mim a adicionar a muitas outras, indissociáveis da minha vida septuagenária. Todavia a esperança é a última a morrer pois enquanto houver vida há esperança. Amanhã será um novo dia, dissipar-se-á o nevoeiro e o sol voltará a brilhar, fazendo-me acreditar que a spike sobreviverá para ser minha companhia por mais alguns anos. Desejo-te as melhoras, minha spike.