quinta-feira, 18 de setembro de 2008

EMPRESAS FAMILIARES - QUE FUTURO?

PUBLICADO

A actual situação económico-financeira crítica das Empresas Familiares portuguesas não tem merecido da parte do Estado o mesmo tratamento que tem sido dispensado às empresas de média e grande dimensão por estas lhe assegurarem a sua sustentabilidade política. As Empresas familiares pertencem à vasta família das Microempresas que se definem por manterem 1 a 10 postos de trabalho e um reduzido volume de negócios. O seu peso na economia nacional é de cerca de 90% e as suas actividades estão genuinamente implantadas em bairros urbanos e zonas rurais.

Do mesmo modo, não obstante a existência de dezenas de associações comerciais e industriais, além das confederações a que pertencem as Microempresas, verifica~se uma flagrante apatia e desinteresse da parte destes organismos na defesa dos reais interesses destas empresas, que se sentem esvaziadas do seu legítimo direito reivindicativo. Por esta razão, sendo eu técnico de contas há 55 anos, ligado ao mundo empresarial de reduzida dimensão, tenho assistido ao nascer e morrer de dezenas de empresas familiares, algumas das quais fizeram parte do meu currículo profissional, pelo que me sinto em condições de poder pronunciar-me sobre as causas e efeitos que afectam o bom funcionamento e desempenho das ditas empresas.

Sendo certo que muitas destas empresas pertencem a empresários menos bem preparados para assumirem o risco duma gestão eficiente e duradoura (realidade esta transversal a toda a sociedade activa portuguesa), também é verdade que são objecto de profunda descriminação pelo terreno, em que todas elas se movem, minado de armadilhas e dificuldades que lhes são impostas por vários factores, a saber: a) – a injustiça fiscal e social; b) – a ausência de apoio concreto com reduzidas taxas de spread a médio e longo prazo por parte da banca; c) – a concorrência desleal e feroz das suas próprias congéneres e das grandes superfícies; d) - a dispersão dos consumidores por hipermercados e outros centros de consumo aleatórios e supérfluos; e) – a logística e períodos de funcionamento; f) – a própria conjuntura económica e financeira actual. Passo a desenvolver em pormenor estes itens:

a) – Pelo lado fiscal, as empresas comerciais, do regime simplificado, são tributadas, indiscriminadamente, na base de 20% de margem, considerada líquida do volume de facturação. Não é levado em linha de conta o tipo de actividade, uma vez que as margens diferem consideravelmente (as tabelas com coeficientes reguladores das margens de lucro para efeitos de tributação nunca foram publicadas, como estava previsto). Como exemplo posso citar uma tabacaria, vendedora de jornais, revistas e tabaco, em que a margem média bruta oscila entre 12% a 15%. Por outro lado, nas empresas individuais com contabilidade organizada, as remunerações dos empresários e seus familiares, não são consideradas, injustamente, custos da empresa. Também se verifica uma flagrante injustiça ao ser considerado o volume de negócios, como rendimento ilíquido, para efeitos do cálculo das contribuições para a segurança social do empresário, cujo valor é fixado na base de 1,5 salário mínimo nacional, caso o seu rendimento bruto anual ultrapasse 18 vezes o salário mínimo nacional. (Actualmente, no regime obrigatório, a contribuição mensal é de 155,22 euros, enquanto que, no regime alargado, a contribuição é de 195,56 euros). Todavia, o lucro líquido da maior parte das empresas familiares não chega a ultrapassar o salário mínimo actual de 426,00 euros multiplicado por 18, o que dará 7.668,00 euros anual. Assim, seria justo que a contribuição mínima fosse calculada nesta base. Por esta mesma razão, a quase totalidade dos empresários familiares perdem o direito ao abono de família justo que deveria ser concedido aos seus filhos. Outra penalização social é a da total ausência de subsídio de doença, no regime obrigatório, enquanto que no regime alargado esse benefício só se verificará após 30 dias de baixa e pelo máximo de 365 dias. A agravar as condições de trabalho destas empresas, há a pressão permanente da ASAE, os encargos acrescidos da publicidade pública para as autarquias, as taxas da Sociedade Portuguesa de Autores pela utilização nos estabelecimentos de aparelhos sonoros e televisores (não se percebendo porque é paga por todos nós – enquanto consumidores -, uma taxa de audiovisual na factura da energia eléctrica, de 1,71 euros, como particulares e 3,42 euros como empresas);
b,) – Pela parte do crédito bancário, verifica-se uma forte penalização com os juros elevados praticados, sob pretexto do factor risco que os bancos correm. Todavia é desvalorizado o facto desses custos agravarem a rendibilidade das actividades que vão absorvendo os capitais próprios até atingirem a insolvência e eventual falência, levando a que o próprio banco, que usufruiu de parte dos lucros do seu cliente, acabe por lhe inviabilizar a actividade, com o corte brusco do crédito e a devolução, em casos pontuais, de cheques sem provisão;
c) – Determinadas actividades já estão saturadas, por demasiada concentração, porque, no pressuposto de obterem boa margem de rendibilidade, outras do mesmo ramo se instalam, com muita proximidade. Para captarem a clientela da concorrência vêm-se forçados a reduzir as margens de comercialização e a aumentar os seus custos com o marketing exigível para sua publicidade e afirmação;
d) - Por fim, a fuga de clientes, para as grandes superfícies - aliciados por promoções e operações de marketing instantâneas e ilusórias -, e para outros centros de consumo supérfluos como os eventos musicais, desportivos, etc…O crescendo desta situação conta com o apoio das autarquias que fomentam a instalação das médias e grandes superfícies, em detrimento do comércio retalhista de reduzida dimensão.
e) – Os preços dos bens comerciáveis adquiridos por estas empresas estão, na generalidade, acima dos preços obtidos pelas médias e grandes superfícies; os horários de funcionamento, para além das 8 horas normais, tornam-se impraticáveis e incomportáveis, dado o acréscimo de custos sem retorno lucrativo;
f) – A conjuntura actual económica e financeira também tem influência dominante na crise destas Empresas, pois com a redução do volume de negócios e o constante agravamento dos custos (nomeadamente os fixos), os resultados líquidos vão sendo gradual e proporcionalmente reduzidos.

Abstenho-me a apresentar quadros com números exemplificativos das situações mais problemáticas e eventuais resultados por, além de ocupar muito espaço, se tornar exaustivo e desnecessário, dada a evidência dos factos referidos.
Sucintamente, ficaram identificadas as principais causas do definhamento do tecido empresarial de 90% das empresas, constituídas pelas microempresas (sobretudo familiares) que correm grave perigo irreversível de extinção, colocando em graves dificuldades de sobrevivência os seus proprietários, suas famílias e eventuais colaboradores. A culminar esta situação, estes empresários e familiares acabarão por ficar sem qualquer direito a subsídio de desemprego. Não obstante o meu pessimismo, desejo que todas as premissas negativas apontadas sejam invertidas com as correcções que se impõe aplicar, de molde a viabilizar as empresas que correm sério risco de desaparecer.

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