quinta-feira, 18 de setembro de 2008

OS MEUS BILHETINHOS

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Tinha um hábito que se tornou rotina tanto para mim como para muita gente, de guardar, num dos bolsos, da camisa ou do casaco, bilhetinhos, que eram pequenos pedaços de papel com registos de assuntos para tratar. Funcionavam como “lembretes” para, a qualquer momento, ter acesso fácil de consulta.

Felizmente que, com o advento do telemóvel, este hábito desvaneceu-se quase totalmente, pois a agenda daquele miraculoso aparelho passou a ser a minha memória “robot”. No meu caso particular, mudei de hábitos por circunstâncias acidentais, inoportunas e inevitáveis. Há cerca de uma dúzia de anos, desloquei-me a Lisboa para desfrutar de um passeio domingueiro, aproveitando a pasmaceira da cidade, adormecida e liberta do seu bulício diário. O começo do frio de inverno já se fazia sentir, pelo que optei vestir, contra vontade, fato completo. Transferi automaticamente todo o micro acervo de bilhetinhos da camisa para o bolso exterior inferior do lado esquerdo do casaco, colocando a carteira em lugar seguro, num dos bolsos interiores do mesmo. Raciocinei como cosmopolita, habituado à vida trepidante e matreira das grandes urbes e não como um simples provinciano à descoberta do desconhecido fora do seu território, contando com alguma situação imprevista. Com muita dificuldade, consegui entrar dentro de uma carruagem do metro, ficando estrategicamente mal posicionado junto à porta. Instintivamente, cruzei os braços sobre o meu peito, abraçando o casaco de molde a resguardar a carteira, esquecendo por completo os bolsos laterais do casaco.

Bruscamente, ouço alguém dizer em voz alta: “se fosse comigo levavas um murro nessa cara”. Este momento coincidiu com um aperto a que fui sujeito e num ápice, com a paragem simultânea do metro, saíram, precipitadamente, da carruagem, três indivíduos, confundindo-se com os passageiros que circulavam na estação. Percebi então que o episódio tinha a ver comigo e apressei-me a confirmar como estavam os bolsos do casaco. Não constituiu surpresa para mim encontrar os bolsos vazios. Os ratoneiros tinham feito o favor de me levar todos os papelinhos poluentes, que nenhuma falta me faziam, enquanto a minha carteira permanecia sã e salva no bolso interior do casaco.

Esta tradição dos papelinhos já vem da nossa meninice, de há seis décadas atrás, quando brincávamos aos namoricos com as nossas colegas de escola, com as quais trocávamos mensagens ternas, com dedicatórias, versos e palavras de afecto e admiração. Na idade escolar, serviram de cábulas tão úteis nas provas de avaliação. Deu-se continuidade ao seu contributo útil na vida activa adulta, diária. Pela parte que me cabe, com o episódio descrito, perdi definitivamente o hábito dos papelinhos, embora por vezes tenha pena de não poder servir-me deles para mandar uma mão cheia de recados a umas quantas pessoas que pululam à nossa volta, soberanos, com poder e intocáveis, que ditam as leis à sua maneira e nos tratam mal, sem nos darem a oportunidade de qualquer direito de defesa dos nossos legítimos direitos.

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