quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O MUNDO E O NOSSO LUGAR

( Inédito)

É do nosso lugar, onde assentámos arraiais e vivemos o quotidiano, que nos tornámos observadores atentos e críticos de tudo o que nos rodeia, abrangendo todos os meridianos do Globo. O nosso lugar é a nossa trincheira e o nosso observatório do Mundo. O ângulo de visão e as perspectivas diferem do tipo de lugar e do seu observador: uma simples barraca, um andar encravado entre muitos outros, uma casa térrea modesta, uma vivenda ou um palácio. E há ainda os que não têm tecto; têm apenas um simples lugar.

É do nosso lugar que vigiamos o nosso vizinho, tentando descobrir-nos fraquezas para nos crucificar e não proezas para nos glorificar; é do nosso lugar que nos vemos vilipendiados e caluniados, sem fundamentos, para gáudio dos traficantes do boato e do mal dizer; é do nosso lugar que sofremos os aumentos dos impostos, sem remissão; é do nosso lugar que sentimos a perda de poder de compra e de regalias sociais; é do nosso lugar que vemos os nossos descendentes desertarem para outros lugares e para o Estrangeiro; é do nosso lugar que sentimos as dificuldades por que passam a nossa família e os nossos amigos; é do nosso lugar que nos apercebemos das injustiças e da privação de direitos; é do nosso lugar que assistimos, impotentes, aos horrores provocados pelas traições do Homem; é do nosso lugar que somos surpreendidos pela reacção avassaladora, destruidora e vingativa da natureza. É pelo nosso lugar que passam todos os projectos, todas as ilusões, todas as desilusões, todas as esperanças e todos os desenganos. Falta-nos coragem para sairmos do nosso lugar porque tememos que uma incursão pelo nosso povoado ou até pelo Mundo seja frustrante e se torne uma epopeia, dado o terreno minado que nos arriscamos a pisar e a desconfiança e cautelas com que seremos recebidos. Não obstante as nossas boas intenções, não somos correspondidos, e as sociedades tornam-se herméticas e impenetráveis.
O nosso lugar, além de refúgio, é o nosso local de peregrinação diária. Temos todos um recanto de devoção e contemplação, onde permanecemos mais tempo. Nele, revemo-nos através dos nossos principais objectos de estimação que não dispensamos por qualquer preço. A nossa relação afectiva com os mesmos contribui para o reforço da nossa auto-estima, particularmente nos momentos de maior isolamento e fragilidade, em que nos esquecemos completamente do mundo exterior, desfrutando do conforto do nosso lugar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Tio Rui,

Tenho seguido atentamente o evoluir do seu blog, gosto muito dos seus textos e acho que ainda os vou ver publicados num jornal e quem sabe em livro.

Feliz Páscoa para toda a familia.

Um Abraço

Paulo