quarta-feira, 24 de agosto de 2011

OS DESENRAIZADOS E REFUGIADOS

(A PUBLICAR NA "CIDADE

DE TOMAR" EM 02/09/2011)

Provérbio Cabindês: ”Nzingu Kikanga Nzambi: Muntu limonho pódi Kikútula ko”: “Liana que Deus amarra, o homem não a pode desamarrar”

Na minha curta bibliografia, as minhas crónicas e poesias são de teor generalista, focando o mais possível a realidade e evitando a abordagem de assuntos políticos e de ficção. Os primeiros são reservados aos analistas e comentaristas profissionais e os segundos aos romancistas

Neste artigo, o tema tratado foge um pouco ao género generalista, sendo mais do âmbito político, por eu achar de suma importância dar-lhe a necessária divulgação. A descolonização é um processo cuja história está por encerrar, dado as feridas profundas abertas em todas as classes sociais nela envolvidas: os militares, os civis e os funcionários do Estado.

Já muito se escreveu sobre os militares que se bateram patrioticamente, na defesa dos interesses de Portugal nos seus ex-estados ultramarinos e com que eu pactuo, ficando por relatar a odisseia dos momentos difíceis vividos, e ainda não ultrapassados, pelos civis e funcionários do Estado.

Tal como os militares, também estas duas classes ficaram traumatizadas e, na maioria dos casos, perderam a qualidade de vida, para além dos bens que foram ostensivamente confiscados aos civis. Destes, há que distinguir os naturais dos não naturais, pois embora ambos viessem sem recursos, os naturais nem sequer possuíam em Portugal Continental qualquer património. À sua chegada, foi-lhes confiscado todo o dinheiro estrangeiro e de escudos angolanos (emitidos pelo Banco de Portugal), metais preciosos, artesanato e outros valores que fugissem aos objectos comuns e nem sequer podia ser público que tivessem contas bancárias no exterior.

Deste modo, os funcionários, embora tardiamente, ainda acabaram por ser reintegrados nos diversos quadros, embora descendo de categorias. Os civis ficaram entregues a si próprios, sendo obrigados a desbravarem caminhos, partindo do 0, para reconstruírem toda a sua vida.

Muitos dos idosos, com idades superiores aos 55/60 anos não resistiram ao choque e acabaram por sucumbir e os que tinham idades entre os 30 e 55 anos, utilizaram toda a sua experiência e energia para recomeçarem as suas vidas. Todavia, a generalidade desta geração de pessoas era composta por famílias com filhos em idade infantil e adolescente. Esta nova geração, ainda em fase de estudos e pré-integração na vida activa, achou-se violentamente desenraizada. Os seus pais sentiram-se incapazes de lhes proporcionar o necessário apoio material e moral para poderem ultrapassar, com dignidade e sem humilhações e traumas, as vicissitudes com que se iam deparando.

Como consequência desta anomalia, muitos dos jovens não conseguiram ultrapassar a depressão emocional que daí adveio, agravando-se o seu estado ao extremo de muitos terem, nesta última década, sofrido colapsos cardíacos, depressões profundas e outros males danosos. A agravar a situação, a maior parte destes jovens não tiveram nem têm recursos próprios para se tratar, nem podem, em muitos casos, contar com a ajuda dos seus pais, por impossibilidade financeira ou por já terem falecido. São muitos os casos de jovens que requereram internamento.

Este diagnóstico foi por mim feito já há duas décadas, tendo-se acentuado hoje pelo acompanhamento que faço, através do Facebook, dos muitos casos confirmado de pessoas minhas conhecidas e amigas. Estou persuadido que devem existir milhares de casos idênticos em todo o País. Como conclusão desta realidade, verifica-se que foram centenas de milhar os desenraizados e refugiados, que vieram para Portugal e foram permanente e deliberadamente esquecidos, não se lhes proporcionando a sua plena integração, com o beneplácito e silencio da própria comunicação social.

Em termos sociológicos, considero este fenómeno como a maior tragédia humana ocorrida em Portugal, no último século, dadas as suas proveniências intencionais e castradoras de direitos e as consequências desumanas e mutiladoras de uma geração privada de trilhar legitimamente o seu caminho para atingir um objectivo futuro próspero.

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