sexta-feira, 18 de novembro de 2011

FELIZ E INESPERADO REENCONTRO

Esta é uma das crónicas que me dá gosto escrever. O seu tema está irremediavelmente ligado ao meu passado. Um passado relativamente feliz com muitos bons exemplos que desejava que os meus descendentes seguissem com orgulho.

Ao fim de sessenta anos, recebi a visita do meu amigo José Marques e sua esposa que veio dar-me um abraço e proporcionar uns momentos agradáveis, rememorando os nossos tempos da Escola Comercial Patrício Prazeres. Descobriu o meu paradeiro pelo Facebook, outro meu companheiro inseparável dos dias de hoje. Durante a tarde amena e cavaqueira que usufruímos em confraternização, revivemos momentos agradáveis da Escola, que passo a descrever:

Pela manhã cedo saíamos juntos do nosso bairro da Penha de França, em Lisboa e fazíamos um longo percurso a pé até à nossa Escola, situada na Rua da Costa do Castelo de S. Jorge. Aproveitávamos o percurso para gozarmos as situações citadinas pitorescas, próprias da época: fazíamos chacota dos namorados que trocavam palavras acesas de paixão em que o namorado, qual “Romeu”, ficava especado no passeio e a sua “Julieta” se debruçava à janela ou varanda de um qualquer andar; mais adiante deparávamo-nos com um ardina a anunciar os jornais da manhã, uma peixeira a apregoar o seu peixe fresco ou um amolador a fazer-se anunciar através da sua flauta; perto da Escola cruzávamo-nos com as nossas colegas, que tinham aulas em separado, cruzando os nossos olhares e soltando um sorriso, sem articularmos uma única palavra por ser eticamente proibido fazê-lo.

A entrada nas aulas era rigorosamente à hora certa para não corrermos o risco de encontrarmos a porta definitivamente fechada, com as consequências daí advenientes. Este ritual repetia-se duas vezes ao dia, pois íamos a casa almoçar e voltávamos à Escola da parte da tarde. Andávamos por dia, a pé, cerca de uma dúzia de km. Duas vezes por semana ao fim da tarde, ainda frequentava uma Biblioteca no bairro da Graça, onde criei o bom hábito da leitura e me apaixonei pela literatura. De quando em vez tinha oportunidade de me juntar aos meus amigos do bairro para brincar e jogar à bola, com a polícia no nosso encalece.

Em minha casa esperavam-me duas tarefas que eu alternava todos os dias: a troco de cinco coroas (2$50=0,0125€), engraxava um par de sapatos ou passava umas páginas de apontamentos da Universidade de meus irmãos. Ainda me sobrava tempo para despejar o lixo e fazer algumas compras para casa. Com o dinheiro ganho a meus irmãos ia aos cinemas mais baratos de bairro, como o Cine-Oriente, o Salão Lisboa ou o Olímpia, vendo ainda bons filmes portugueses e estrangeiros, em que se destacavam os épicos, os musicais e as comédias, além de filmes de aventuras do Far-West. Eram meus ídolos de cinema os portugueses António Vilar, Vergílio Teixeira, Raúl de Carvalho, Barreto Poeira , Eunice Muñoz, Milú e Amália Rodrigues e os estrangeiros Gary Cooper, John Wayne, Errol Flynn, Anthony Quinn, Olívia de Havilland, Shirley MacLaine e Doris Day. Também assistia a magníficas peças de teatro ligeiro, de comédias e dramas, no Teatro Nacional D. Maria II, representadas pelos melhores artistas da época em que destaco, Amélia Rei Colaço, Raul de Carvalho, António Silva, Vasco Santana, Laura Alves, Lourdes Norberto e outros.

Fica aqui o retrato do princípio de uma vida nos anos 50 do século passado, em que se destaca o espírito de sacrifício ao lutar e acreditar num objectivo atingível daquele tempo com a desmotivação e descrença num futuro compreensivelmente inatingível, deste tempo. Foi uma época pródiga de bons ensinamentos e de emoções permanentes positivas.

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