domingo, 28 de fevereiro de 2010

O MAÇO DE TABACO

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Foi na idade pré-adolescente que tive a primeira percepção da maldade e da mentira. Num qualquer dia de brincadeiras com os meus amigos, Alberto, Jorge, Carlos e João, deu-se um episódio marcante na minha vida. Decorria a década de 40 em Cabinda.

Brincávamos à macaca no chão de terra fronteiro ao casarão de madeira que meu pai adquiriu aos ingleses, nos primórdios do século XX, quando o Jorge me lançou um repto:”Rui, vai à tua loja e tira um maço de tabaco para nós fumarmos.” A casa onde nasci fora construída pelos ingleses no início do século XX e era uma obra de arte colonial, de madeira e coberta a zinco, sem forro, em que coabitávamos com baratas, osgas, ratos e até por vezes cobras. Não vou descrever os pormenores arquitectónicos deste monumento - hoje inexistente por imposição do regime colonialista -, mas direi apenas que era coberta a zinco, sem forro e que dispunha de uma loja a abranger toda a parte da frente, emoldurada por uma varanda guarnecida com um gradeamento de madeira. Esta casa consta dos livros de postais de Cabinda e Angola do século XX.

Respondi-lhe, determinado: “Não penses nisso que meu pai não vai deixar que o faça e depois castiga-me”. Jorge insistiu sugerindo que para despistar devia servir de pretexto recolher “ginguba” (amendoim) e banana para o meu lanche habitual. Para me manter fiel e agradar à minha turma de amigos, arranjei coragem e segui o esquema delineado. Entrei na loja e coloquei a ginguba no bolso esquerdo dos calções e descasquei a banana, tirando o maço de tabaco. Quando me esgueirava para o exterior da loja, senti uma mão agarrar com firmeza o meu braço esquerdo e a voz acusadora de meu pai: “Anda cá meu maroto, pensavas que eu não dava pela tua malandrice?” Sem perda de tempo deu-me uma série de sopapos que me deixaram em pranto, não tanto pela dor mas pela vergonha de ter sido surpreendido num acto reprovável em que perdi de momento a confiança de meu pai.

Este episódio teve uma influência decisiva na minha vida, por ter tido pela primeira vez conhecimento da maldade e mentira dos homens e ter passado a abominar definitivamente o consumo de tabaco, nunca tendo fumado, dando por boa e decisiva a acção correctiva de meu pai, quando me apercebi mais tarde e hoje que há muitas vítimas do consumo destemperado do tabaco.

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