domingo, 12 de junho de 2011

A COLONIZAÇÃO (Parte I)

(PUBLICADO EM 10/08/2007,
NA CIDADE DE TOMAR)


Muito se tem escrito sobre a descolonização, mas muito pouco se tem relatado acerca da colonização. Este tema é merecedor de uma abordagem séria e isenta por alguém como eu que testemunhou e viveu a realidade da colonização, reforçada pela herança oral dos factos, muito diferente do que se tem tentado, especiosamente, fazer chegar às pessoas menos esclarecidas.
A colonização teve vários intervenientes em que podemos destacar os seguintes: o Colono, o Colonialista, o Estado, a Igreja e a População Anónima.
Nesta primeira abordagem vou debruçar-me sobre as duas primeiras figuras – Colono e Colonialista -, que se confundem, mas que são distintas no processo de colonização, especificamente de Cabinda e Angola, deixando para outra oportunidade a focagem das restantes três figuras.
.O Colono foi um verdadeiro missionário civil na divulgação dos usos e costumes e inter-sociabilidade dos portugueses com outros povos com que se foram relacionando e afirmando, pacificamente. O Colono que emigrava para o Ultramar, era, na sua generalidade, oriundo de famílias das classes média, média baixa e pobre que, por motivos económicos, tinha necessidade de buscar novas paragens para assegurar a sua sobrevivência. Em princípios do século XX - pós época colonial esclavagista -, os colonos passaram a emigrar legalizados, por imposição do regime instituído pelo Estado Novo. Para o efeito, tinha o colono de se munir duma “carta de chamada” (documento legal subscrito por uma entidade sedeada na colónia, fixando o ordenado, com cama, mesa e roupa lavada).
Nos casos particulares de Cabinda e de Angola, o Colono arriscava o seu futuro, sozinho, e dedicava-se ao pequeno comércio de permuta e ou a uma rudimentar exploração agrícola e ou pecuária. Debatia-se no seu dia a dia com dificuldades de toda a ordem: escassez de bens alimentares; deficiência de cuidados de saúde; ausência de água potável e energia eléctrica; picadas (estreitos caminhos de terra), em vez de estradas; presenças aguerridas da malária, etc… Para além destes condicionalismos, existiam ainda a falta de apoios do Estado e da Banca e a total dependência do “Colonialista”.
O Colono não se limitava à sua fixação em centros urbanos. Exercia várias actividades, deslocando-se, com regularidade, ao interior, para praticar a permuta de bens de consumo por bens coloniais. Faziam parte dos primeiros: bagaceira; vinho; sal; arroz; feijão; peixe salgado; utensílios diversos, como espelhos; colares de missangas; pentes; peças de pano, roupa diversa, etc… Pertenciam aos segundos: café; cacau; óleo de palma; coconote (caroço do fruto da palmeira); fruta diversa, etc… Era no interior que também tinham as suas pequenas roças agrícolas e pecuárias, a maior parte delas deficitárias, pois parte da sua produção servia de abastecimento do pessoal que nelas trabalhava.
Os Colonos, na sua generalidade, depois de meia dúzia de anos, deixavam-se seduzir pelo feitiço da terra que os acolhera e acabavam por se radicar definitivamente, desligando-se, material e afectivamente de Portugal Continental. Aqui vinham consorciar-se para os seus descendentes nascerem nas Colónias e tornarem-se verdadeiros africanos.
Focada a figura do Colono, tratemos agora a do Colonialista. Este foi um agente colonial que serviu de elo de ligação entre o regime então vigente e o domínio colonial. A sua origem era de famílias burguesas e média alta, abastadas, com actividades de média e grande dimensão, sedeadas em Portugal Continental. Utilizavam o seu poder económico para usarem o colono como seu instrumento na aquisição dos bens coloniais aos preços por eles fixados, muito abaixo do mercado internacional. Contribuíram, sobremaneira, para o subdesenvolvimento das Ex-Colónias, durante largo período de tempo – até meados dos anos sessenta -. Coniventes com o regime, conseguiram que fossem proibidas, nas ex-colónias, culturas de trigo, vinha, olival, para permitir que os produtos destas culturas fossem exportados, com exclusividade, pelas suas próprias empresas e associadas, de Portugal Continental, para aqueles territórios. Beneficiando do proteccionismo do Estado, o Colonialista tinha o privilégio da exploração e comercialização das riquezas minerais, enquanto que se o colono se intrometesse nessa área, além de incorrer em multas pesadas era incriminado e sujeito a prisão. Grande parte das mais valias obtidas pelo Colonialista em vez de serem investidas nas ex-colónias, eram transferidas para Portugal, Deste facto, resultou um grau de investimento condicionado e proporcionado ao magro lucro disponível do Colono. Este tratamento diferenciado que o Estado dispensava aos Colonos e seus descendentes em relação aos Colonialistas, deu origem ao rótulo atribuído aos primeiros, de portugueses de 2ª, com o acesso dificultado a empregos do Estado.
A dessintonia de actuação destas duas figuras distintas foi um dos factores influentes no processo de descolonização desfavorável aos interesses legítimos dos colonos e seus descendentes radicados nas ex-colónias e da maioria dos próprios africanos.

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