domingo, 19 de junho de 2011

O RISO E O CHORO

(INÉDITO)


Duas expressões de estado de alma que trazemos latentes connosco e que se manifestam incontroladamente em situações inesperadas. Por vezes surgem como sucedâneas uma da outra, sem que seja possível a sua contenção.
Veio à minha mente um episódio de que fomos protagonistas, eu com 11 anos e um meu irmão com 5 anos. Acabados de chegar de Cabinda, nossa terra Natal, fixámo-nos com nossos pais em Lisboa, nos anos quarenta, do século passado, onde prossegui os meus estudos secundários por não ser possível fazê-lo na minha terra. Tinha terminado a segunda guerra mundial e ainda se fazia sentir o rigor do racionamento dos bens alimentares. Nesse tempo, era prática, passar-se as férias grandes nas províncias do interior, terras de origem da maior parte das famílias radicadas no Ultramar, que tinham emigrado, por necessidades económicas. Ás 05H30 da manhã apanhava-se a carreira de camionetas “Claras”, na garagem “Lis”, em Lisboa, para chegar ao destino (Castanheira de Pêra) cerca das 17H00 horas, depois de passar por Tomar e Pontão, por estradas muito danificadas.
No primeiro ano, ficámos entregues aos cuidados da nossa avó (viúva) - sujeitos à disciplina e regras tradicionais ainda prevalecentes -, enquanto nossos pais se ausentaram durante 3 semanas para um tratamento de águas numa estância termal. A par da exigência que nos era feita para ajudarmos nas lides caseiras, que passavam pelo roçar mato e juntar lenha, ir às compras à mercearia da aldeia que também recebia e distribuía o correio, partilhávamos das refeições de acordo com o orçamento e os alimentos disponíveis. A maior parte das refeições passavam por uma sopa forte de feijão e hortaliça, temperada com toucinho e chouriço, tudo de produção caseira. O prato (chamado conduto) era normalmente uma sardinha e broa. Nos tempos de ócio e brincadeira, usufruíamos das águas correntes, cristalinas e frias da ribeira, que beijavam as pedras da nossa casa, além dos largos momentos de leitura, saboreada, sofregamente, na frescura das sombras de grandes carvalhos, de livros de aventuras e de ficção de Júlio Verne e Emílio Salgari e de autores clássicos portugueses. Não quero deixar de referir que a nossa casa fora construída em meados do século XIX, toda de pedra à vista, tinha 2 pisos, sendo o réz-do-chão ocupado por arrecadações de lenha, mato, garrafeira e estrume e o primeiro andar com a cozinha, casa de banho de alçapão, 3 quartos e sala.
Quando certa noite nos aprontávamos para nos deitar, ouvimos as vozes dos nossos pais que nos chegavam, através da escuridão, pelo caminho estreito flanqueado pelas latadas carregadas de cachos de uvas e que desembocava na nossa casa. Em uníssono, rompemos num assomo de riso descontrolado, seguido, de imediato. de uma crise sentida de choro. Foi uma sensação estranha que experimentámos e que hoje recordo por concluir que estes sentimentos são hoje, mais que nunca, frequentes, pelas situações difíceis e imprevisíveis que nos afectam. Para além disso, também tirei a conclusão de que aquela vida por ser mais modesta e natural, era mais saudável e motivadora a prosseguir na busca de estabilidade que acabava por ser conseguida, enquanto que nos dias de hoje, é, tudo paradoxalmente, incerto, prematuro e efémero.

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