quarta-feira, 8 de junho de 2011

O PÁSSARO QUE VOLTOU A VOAR



(ARTIGO PUBLICADO EM 26/01/2007,
NA "CIDADE DE TOMAR")





Era uma manhã de verão como tantas outras. Abri o duche para aquecer a água do banho, enquanto ajeitava a minha barba que, apesar de rala, requer mais cuidado do que uma barba normal. O barulho do correr da água não foi o bastante para abafar um piar muito vivo e o bater de asas que chegavam ao meu ouvido atento, vindo de algures do interior da casa de banho.
Fechei a água e sentei-me calmamente num banco. Prestei uma atenção mais apurada ao piar que agora já era menos vivo e mais espaçado. Fiquei desde logo preocupado, pois ocorreu-me, de imediato, a ideia de que se tratava de um pássaro que estava em apuros no cano respiradouro que vai do rés-do-chão ao terraço do prédio. Achei que tinha a obrigação de salvar de uma morte certa, aquele pássaro indefeso. Era uma maneira de eu, cumprindo o meu dever, ficar bem com a minha consciência.
A operação de resgate, aparentemente simples, passava por retirar a grelha que tapava o tubo respiradouro. Tentei, em vão, desapertar os 3 parafusos que, calcinados, fixavam a tampa. O pássaro já dava indicações de estar rendido ao desenlace fatal, pois o seu piar tornara-se fraco e agonizante. Redobrei os meus esforços e recorri ao engenho e à arte possíveis para resolver a situação, sem perda de tempo. Lembrei-me então de utilizar um pouco de azeite - à falta de óleo -para lubrificar os parafusos calcinados. Com bastante esforço e teimosia consegui, num ápice de tempo, desenroscar 3 parafusos, ficando um, por libertar, que se manteve teimoso e não quis ceder. Antes, porém, tive o cuidado de encaixar no tubo um cartão que impedisse a queda do pássaro no abismo.
Executada esta última fase de salvamento - a mais difícil - que eu considerava como bem sucedida, de imediato me deu um amargo de boca e tristeza. Ao introduzir a mão no cano para procurar estabelecer contacto com o pobre do pássaro, não só não o detectei como deixei, definitivamente, de ouvir o seu piar doloroso e o bater das asas. Retirei-me da casa de banho, desalentado, e dirigi-me à cozinha para compartilhar a triste notícia com minha mulher. Admitimos a hipótese do pássaro se ter precipitado no abismo do tubo. Todavia, eu não estava convencido dessa probabilidade, pois tinha fé que, se algo me influenciou para salvar aquele pássaro, ele estaria vivo e seria restituído à sua plena liberdade.
Insisti pois em regressar à casa de banho, precedido por minha mulher. Quando lá entrei, andava um pardal a esvoaçar dentro da banheira, dando largas ao seu contentamento. Constituiu uma grande alegria para nós, este desenlace feliz. Apanhei o pardalinho, afaguei-o na concha da minha mão e depois de lhe dar um beijo, lancei-o ao espaço. Ele voou, por uns instantes, fez um círculo e passou junto a nós – num gesto de agradecimento e despedida - perdendo-se sobre os telhados. Foi reconfortante para mim, vê-lo a voar, novamente.
Antes do banho, voltei a sentar-me no banco e relacionei este simples caso com o de muitos seres humanos que, por falta do estender de uma mão amiga, não têm a oportunidade de se libertarem de amarras e desânimos, relançando as suas vidas na busca de um Futuro Melhor. Temos o dever de estar atentos e de lhes despertar Expectativas Positivas.

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