domingo, 19 de junho de 2011

DOS NEVEIROS À PRAIA DAS ROCAS - FONTES DE PROGRESSO



(PUBLICADO EM 31/08/2007,
NA "CIDADE DE TOMAR")

Hoje vou escrever sobre um concelho bem perto de Tomar, pois dista apenas 62 km. Trata-se de Castanheira da Pêra, fulcro actual de todas as atenções nacionais, muito principalmente da parte dos veraneantes que procuram aquela cidadezinha da beira interior para se deliciarem com a sua beleza natural e usufruírem da praia artificial das Rocas.

Tal como todas as terras que no século XII, Gualdim Pais administrava, por legado do seu companheiro de armas, D. Afonso Henriques, 1.º Rei de Portugal, o actual Concelho de Castanheira de Pêra estava sob a sua influência e abrange uma série de pequenas freguesias com relevantes tradições históricas. Destas freguesias, destacam-se Coentral Grande e Ribeira de Pêra, protagonistas dos factos históricos mais relevantes que marcam o progresso daquela região. Fazem parte das 23 aldeias de xisto espalhadas por 13 municípios do Pinhal Interior. Em pleno reinado de D. José I - sob a governação do Marquês de Pombal -, e no seguimento do reinado de D. Maria I, um fidalgo, de nome Julião Pereira de Castro, conseguiu arrematar, em exclusivo, o fornecimento de neve para a capital, fundando o Café das Neves (actual Café Restaurante Martinho da Arcada). Tornou-se então o neveiro-mor da Corte.

No Pico de Trevim, a 1.204 mts. de altitude, da Serra da Lousã, muita da neve que se precipitava durante o Inverno, era armazenada em 7 poços, de uma dezena de metros de profundidade, construídos expressamente para possibilitar a sua utilização, já como gelo, no verão. Estes poços, de construção tosca, eram redondos no seu interior e cobertos por abóbadas de pedra em forma de sino achatado. Cada poço tinha uma única porta estreita, virada para nascente, para evitar que o sol, na sua fase mais forte, entrasse pela porta e derretesse a neve ali guardada. Essa neve era compactada nos poços, com pesados maços de madeira.

Chegado o verão, a neve era cortada em grandes blocos que, depois de envolvidos em palha, fetos e mesmo serapilheiras, eram metidos em caixotes. Estes seguiam então, para Lisboa., em ronceiros carros de bois. A primeira muda dos animais era feita em Miranda do Corvo e depois seguiam para Constância, onde prosseguiam via fluvial, Rio Tejo, até ao Terreiro do Paço. O gelo era então provado pelo almotacé – antigo inspector camarário de pesos e medidas que fixava o preço dos géneros -, e só depois seguia, o de melhor qualidade, para a Casa Real, e o sobrante para o Martinho da Arcada e outros cafés, que o utilizavam no fabrico de refrescos e gelados.

Esta indústria ocupava dezenas de pessoas e o neveiro-mor, da Casa Real, Julião Pereira de Castro, em homenagem a Santo António de Lisboa, mandou erguer uma Capela que designou de Capela de Santo António da Neve. Esta Capela, juntamente com os restantes 3 poços ainda existentes (apenas um conservando as características originais) foram considerados Imóveis de Interesse Público. O mesmo neveiro-mor mandou construir, na eira da aldeia do Coentral Grande, uma residência que, na altura, se destacava pelo tamanho e desenho arquitectónico fora do comum e que hoje é propriedade de uma minha prima. Esta casa foi então adquirida por meu bisavô paterno ao neveiro-mor, a quem foi dada preferência, pelos serviços relevantes que meu bisavô prestou à sua empresa de neveiros. Diz-se que quando Julião Pereira de Castro teve de repartir a sua fortuna pelos seus filhos, a quantidade de moedas era tanta, que teve de ser distribuída em alqueires.

Em princípios do século XX, depois da exploração dos neveiros se ter tornado obsoleta, pelo advento de processos modernos de congelação da água, instalou-se uma crise económica profunda que obrigou a nova geração a migrar para Lisboa e a emigrar para as ex-colónias africanas e para o Brasil. Neste processo complexo, com a extinção dos neveiros e a debandada da mão-de-obra, a aldeia do Coentral Grande entrou em colapso, reflectindo-se na economia do próprio concelho de Castanheira de Pêra. Ainda subsistiram até 25 de Abril de 1974, algumas indústrias de lanifícios que tiveram uma fase próspera nos anos 40 e 50, acabando por sucumbir e mergulhar toda a economia local em profunda crise.

Esquecendo esse período difícil, de vias de comunicação deficientes e o retrocesso económico, surgiram em Castanheira de Pêra gestões sucessivas autárquicas de qualidade que aproveitaram os recursos naturais da região para relançarem projectos arrojados de requalificação e relançamento da economia do concelho. Com a construção das vias rápidas de fácil acesso e a comparticipação de fundos da UE, o Município de Castanheira de Pêra inspirou-se nas praias da Polinésia francesa, com bungalows e ondas artificiais, para criar a Praia das Rocas, local de lazer e diversão de características únicas em todo o território Nacional. Este complexo passou a atrair uma corrente volumosa de veraneantes e turistas, tendo tido, num fim-de-semana do pico do verão de 2006, uma frequência excepcional, de cerca de 5.000 pessoas. A par desta atracção impar, o visitante ainda pode desfrutar da beleza do jardim e casa da criança Dr. Bissaya Barreto, mandada edificar por esta ilustre figura em 1939 e a Casa do Tempo com exposições permanentes de relevante interesse.

Subindo o curso da ribeira de pêra que alimenta o Lago das Rocas, encontra-se a jusante, o Poço da Corga, que permite desfrutar duma piscina natural fluvial, de águas cristalinas, onde se pode acampar ou alugar instalações para pernoitar, servindo-se do restaurante e café de apoio. Prosseguindo o trajecto da mesma ribeira, chegamos, enfim, ao local emblemático e paradisíaco de características agrestes e algo primitivas da confluência de 2 cursos de água, pequenos ribeiros, que ladeiam a aldeia do Coentral Grande, descendo a vertente sul da serra da Lousã, onde nascem do fraguedo ali existente. Nas falésias da serra pode observar-se ainda o gado caprino, de excelente qualidade, utilizado na confecção da célebre chanfana. Também ressaltam as colmeias, cujas abelhas se alimentam das urzes, carqueja e azevinhos e que fabricam mel escuro, de qualidade superior Além dos pinheiros que predominam na paisagem da serra, ainda existem carvalhos, castanheiros, amieiros, salgueiros e fetos.

Como eterno admirador e apaixonado por Tomar, que considero a cidade do interior mais bonita de Portugal, gostaria que lhe fosse conferida a imagem de marca que merece, não só pela sua beleza natural, mas também pelo forte cunho histórico que mantém na História de Portugal. Para que essa meta seja atingida, torna-se necessário que a Edilidade de Tomar leve em consideração o contributo da pluralidade de opiniões válidas e procure seguir o exemplo de municípios, como o de Castanheira de Pêra e porque não, de Mirandela e outros, que, com menos recursos, souberam gerir os seus projectos da maneira mais positiva, fazendo despertar o interesse e prazer de se desfrutar dos espaços requalificados.

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