domingo, 12 de junho de 2011

A COLONIZAÇÃO (Parte II e última)

(PUBLICADO EM 28/09/2007,

NA CIDADE DE TOMAR)

Em seguimento do artigo anterior torna-se imperativo abordar a influência directa e indirecta que outros protagonistas tiveram no processo de colonização de Cabinda e Angola. Já focámos as figuras do Colono e do Colonialista; passemos agora a dissecar o envolvimento do Estado, da Igreja e da População Anónima, não esquecendo o Funcionalismo e as Forças Armadas. Quero, no entanto, desde já ressalvar o facto de entre todos os protagonistas citados e a citar, embora reunidos em grupos, haverem excepções à regra, como é próprio do comportamento díspar do ser humano.
Ainda reportando-me à I parte desta crónica, anteriormente publicada, e no que concerne à permuta de produtos coloniais por bens de consumo corrente, entre africanos e colonos, quero acrescentar que, além da descrição feita, aplicável ao caso particular de Cabinda, o caso de Angola envolvia outros tipos de produtos e bens, assim descriminados, em termos gerais: entre os produtos fornecidos pelos africanos destacavam-se: sisal; massango; milho; crueira (mandioca seca e cortada aos cubos); cera; borracha (de sangria); feijão macunde (frade); peles de animais; cera de abelhas, etc. Quanto aos bens de consumo, além dos já mencionados, há a acrescentar as mantas; cobertores de papas (lã) e as peças de pano (com desenhos estampados diferentes dos de Cabinda, de acordo com as características étnicas de Angola).
Antecipando a radiografia do processo de colonização, constata-se uma identificação muito próxima entre o Colono, o Funcionalismo e a População Anónima, enquanto que, entre o Estado, o Colonialista e a alta hierarquia da Igreja, existia uma manifesta e indisfarçável cumplicidade. Como o regime não tinha o apoio geral das classes, sentia necessidade de recorrer à colaboração destas últimas figuras para poder impor a sua Política Colonial autoritária. As Forças Armadas, dado a sua natureza, ficam de fora deste contexto.
Começando pelos Servidores do Estado, impõe-se fazer uma triagem de acordo com a sua composição heterogénea e as suas responsabilidades e comportamentos muito específicos. Nesta perspectiva, há a considerar os funcionários públicos dos serviços administrativos e as autoridades que impunham o cumprimento das leis de soberania. No primeiro grupo, os servidores do Estado (exceptuando os quadros superiores, de estatuto privilegiado), cumpriam, contrafeitos, as suas obrigações profissionais, em virtude de se sentirem marionetas do regime com remunerações muito baixas. Além disso, eram coagidos a ocupar lugares em regiões sem o mínimo de condições de vida, passando algumas privações, tal como os colonos. A acção destes funcionários, em geral, foi meritória e digna do nosso apreço. Apoiados no sistema organizacional imposto pelo Estado, deram a sua contribuição positiva para o estabelecimento da ordem e disciplina no cumprimento dos deveres dos contribuintes, sem recorrerem a intervenções drásticas e penalizadoras. Actuavam mais pela acção pedagógica. Contrariamente, as autoridades, compostas pelos agentes policiais e da guarda-fiscal, os chefes de posto e os administradores de concelho, excediam-se no desempenho da autoridade que lhes era cometida pelas suas funções. Impunham, com arrogância e intransigência, a sua autoridade, colidindo, muitas das vezes, com os direitos dos cidadãos. Como atrás deixei esclarecido, haviam algumas excepções. Com poder supranacional, sobressaía a PIDE que, sobrepondo-se aos próprios governadores e com a colaboração dos seus informadores clandestinos, exercia um controlo rigoroso, apertado e ilimitado, sobre os cidadãos não alinhados e identificados - nos seus registos sinistros -, contra o Regime.
Por sua vez, a Igreja (Católica), também dividida entre os seus missionários e a mais alta hierarquia, teve uma intervenção dúbia no processo de colonização. É certo que a sua acção foi bastante positiva porque, além de espalhar a palavra de Deus, através da divulgação da religião católica, incutiu nos africanos a ideia da integração das raças e tribos na mesma irmandade e Fé, aproximando a civilização africana da europeia. Celebrou muitos matrimónios entre indivíduos de raça branca e raça negra, de que resultou a miscigenação das raças com a introdução do mestiço e do mulato. Todavia, a sua ligação ao Regime, levou-a a intervir, discricionariamente, no Ensino, fazendo depender da aprendizagem da catequese e da religião (católica), o bom ou o mau aproveitamento escolar. Esta situação fazia-se sentir mais no Ensino Primário. A Igreja Evangélica, também presente, embora com menos influência, limitou-se à sua acção missionária, bastante activa e profícua, sem se imiscuir em assuntos do Estado. Quero também testemunhar que, os Colonos e as Igrejas, através dos seus missionários, se toleravam e até mantinham boas relações, em virtude da sua acção comum civilizacional e missionária junto dos africanos.
A População Anónima a que quero referir-me constituía também uma parte importante da sociedade colonial e, a par do colono, a principal mais valia do seu progresso. Faziam parte dessa População os trabalhadores de conta doutrem e liberais - empresariais e profissionais -: os técnicos, os operários qualificados diferenciados e não diferenciados. É indissociável a acção meritória das mulheres colonas e africanas – a quem presto a devida homenagem -, que conseguiram, sempre com muita coragem e determinação, suprir as carências prementes de toda a espécie, colaborando com os maridos – as primeiras nas suas actividades profissionais e domésticas e as segundas, cuidando das lavras e dos lares. A sua participação passava ainda pela assistência recíproca aos seus partos, por ausência de parteiras especializadas e de maternidades, hábito que se praticou até meados do século XX. A força laboriosa desta franja da sociedade, aliada ao seu amor pela terra, fizeram despertar o ideal de um objectivo comum: o de contribuírem para o começo do erguer duma Nação, de futuro expectável promissor. Não surpreendente foi a interrupção abrupta da conclusão desse processo, por interferência de forças externas com interesses alheios aos legítimos direitos dos Cabindeses e dos Angolanos.
No que diz respeito às Forças Armadas, apenas me posso referir à sua presença no Enclave de Cabinda, em virtude do caso de Angola ter sido objecto de uma abordagem militar mais apropriada à sua grande dimensão geográfica e profusão étnica díspar. No caso de Cabinda, temos de situar as forças armadas de acordo com as épocas e os interesses sedentos e persistentes, de vários países, nas suas riquezas.
Até finais do século XIX, Portugal teve de intervir em Cabinda, a solicitação das suas populações, através da marinha e infantaria, no sentido de desalojar do território, franceses, holandeses e ingleses que, à viva força, queriam continuar a permanecer naquele território, para prosseguirem com o comércio de escravos, não obstante a sua abolição. Para além deste negócio, também os seduziam as riquezas minerais e os produtos coloniais que abundavam. Houveram várias refregas com as forças ocupantes contrárias, com os quais iam alternando a ocupação da respectiva fortaleza. Entretanto, os representantes dos três reinos de Cabinda – Loango, Kacongo e Ngoyo -, assinaram com a Coroa Portuguesa, três Tratados, entre os quais se destaca o principal, celebrado a 1 de Fevereiro de 1885: o «Tratado de Simulambuco». Entre várias cláusulas, Portugal comprometia-se a “não permitir o tráfico de escravatura” e a “manter a integridade dos territórios colocados sob o seu protectorado”. Os ingleses, que eram então os principais residentes ocupantes, foram obrigados a alienar as suas propriedades aos portugueses, que ali se fixaram, por vontade dos povos Cabindeses. Desde então, Portugal foi reduzindo os efectivos do seu contingente militar, sendo, já no princípio do século XX, de apenas um destacamento, constituído por um pelotão. Este contingente servia apenas para simbolizar a Soberania Portuguesa, pois nunca teve te intervir militarmente até aos anos 60 do século XX, altura em que houve necessidade de ser reforçado face às ameaças de insurreição instigadas por pressões externas.
Com a conclusão da minha crónica, espero ter dado o meu modesto contributo para um melhor esclarecimento e informação acerca da verdadeira colonização de Cabinda e Angola. Por não me considerar historiador nem antropólogo, não me acho com competência e idoneidade para me referir às restantes ex-colónias, mas estou convicto que, com algumas excepções, a maior parte dos factos aqui mencionados lhes são aplicáveis.






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